Organizações da sociedade civil em Moçambique condenam a saída do bispo de Pemba, Luiz Fernando Lisboa, e consideram que o país corre o risco de se tornar um Estado fascista.
Em comunicado, cerca de 20 organizações citam o caso do ex-bispo de Pemba, Dom Luiz Fernando Lisboa, recém transferido para o Brasil, para ilustrar atos de intimidações de que os jornalistas, investigadores, ativistas e defensores de direitos humanos são alvo em Cabo Delgado, por parte de figuras "próximas ao Governo central" de Moçambique.
Em entrevista à DW África, João Feijó, sociólogo e coordenador da publicação "Como está Cabo Delgado", do Observatório do Meio Rural, diz que o bispo Dom Luiz Lisboa era um construtor de pontes para garantir a paz e promoção do diálogo inter-religioso. E defende que o bispo saiu de Pemba devido à pressão e perseguição política de que foi alvo, só por ser a voz dos mais desfavorecidos.
DW África: Na vossa opinião, a saída do bispo a sua transferência tem a ver com a pressão ou perseguição de que ele foi alvo nos últimos tempos?
João Feijó (JF): Ele sempre foi uma voz que questionou a situação e a injustiça social. Sempre defendeu os mais desfavorecidos. E à medida que aumentava a tensão social, à medida que começaram os ataques terroristas, tornava-se um pouco politicamente incómodo referir os problemas sociais que existiam. Então, infelizmente, da parte de alguns setores próximos do poder central, houve uma estratégia não de procurar ver o que é que a mensagem tinha de construtivo, mas de ver a mensagem como um ataque pessoal ao Governo. Depois seguiu-se toda aquela campanha de difamação muito pessoalizada contra o bispo com acusações sem grande credibilidade, mas que acabaram por o isolar a nível da província. Porque ele estava a fazer um grande trabalho em chamar a atenção para o problema de Cabo Delgado a nível nacional, e mesmo a nível de angariação de fundos para apoio monetário à população de deslocados.
DW África: Isso foi uma estratégia de alguns setores também para matar o seu caráter?
JF: Sim, para descredibilizar. Em vez de se atender à mensagem para ver o que é que aquilo tem de útil para a resolução do conflito, concentraram-se no ataque ao seu carácter.
DW África: No comunicado que hoje fizeram circular dizem que o Estado ficou em silêncio face aos ataques ao bispo. A que se deveu este silêncio?
JF: Houve um período muito conturbado, em que de facto houve esses ataques. Isso era útil para que o Governo intimidasse o bispo e para o levar a deixar atitudes que pudessem ser politicamente embaraçosas.
DW África: Alertam para o risco de se estar a caminhar para um Estado fascista em Moçambique. Porquê?
JF: Faz lembrar um pouco a postura do bispo Dom Manuel Vieira Pinto, o antigo bispo de Nampula [perseguido pela polícia secreta portuguesa PIDE]. O que fizeram com ele foi muito parecido. Ele também acabou por ser expulso de Moçambique depois de ter havido um assassínio do seu caráter. Neste sentido, há alguma preocupação por parte de várias organizações da sociedade civil, algumas no terreno, e inclusivamente de jornalistas, que sentem o seu trabalho bastante condicionado.
DW África: Mas na prática, a saída do bispo mudaria as atuações da Igreja Católica ou dessas organizações que estão no terreno?
JF: Podem mudar as pessoas, mas o problema continua ali. As estruturas sociais e o problema de integração económica continuam ali. Portanto, a próxima pessoa que vier vai continuar a tratar desse problema e vai ter que continuar a colocar o dedo na ferida. É desagradável, mas nós temos que enfrentar. Não podemos fazer disse um tabu. É um problema nacional, no qual todos nós temos que nos envolver.(x) Fonte: DW