O único grupo prioritário já determinado para imunização com parte das 200 mil doses da vacina contra a COVID-19, que na quarta-feira chegou ao país, são os profissionais de saúde. O director-geral do Instituto Nacional de Saúde diz que os outros grupos estão definidos no plano nacional de vacinação, ainda por divulgar nos próximos dias. Ilesh Jani avança, porém, que os idosos, as pessoas com diabetes estão também na lista de prioridades.
Doutor Ilesh, já chegaram ao país as primeiras doses da vacina contra a COVID-19 e a pergunta que as pessoas fazem é relativamente ao plano. Já existe um plano nacional de vacinação?
Existe sim um plano nacional de vacinação contra a COVID-19. Está na fase final de validação e é um plano nacional, que tem em conta toda a questão da vacinação, não só desta remessa [de 200 mil doses da vacina] que chegou agora, mas um plano nacional que inclui outros aspectos como coordenação do processo, cadeia de abastecimento e comunicação e monitoria. O plano nacional de vacinação será aprovado e eu penso que dentro de dias o Ministério da Saúde irá fazer a devida validação.
Em rigor, não estando validado, não existe ainda um plano concreto. Há processos decisivos que ainda não foram tomados para que esse plano seja validado e apresentado ao público. Quando, em termos de horizonte, é que Moçambique já terá, de facto, um plano público nacional de vacinação?
Eu penso que o plano será divulgado dentro de dias. O plano tem vários elementos e muitos deles são tratados para todas as vacinas. Eu lembro que nós temos um programa alargado de vacinação aqui no país, desde o início da década de 80, e a vacina não é uma tecnologia nova do país.
O nosso programa alargado de vacinação cobre o país inteiro e há uma experiência de quatro décadas de trabalhar com vacinas. Eu penso que o plano vai agregar alguns aspectos específicos da vacina, mas na maior parte este plano inclui uma série de elementos que são normais em vacinas. No nosso país são vacinadas mais de um milhão de crianças todos os anos. Portanto, a vacina não é uma nova tecnologia em Moçambique. Eu penso que não é preciso dramatizar a questão do plano. Este será divulgado no seu tempo. O importante é que nós compreendamos qual é o papel da vacina no controlo da COVID-19 e como nos unimos como país por trás dessa primeira fase de vacinação que vai contemplar os profissionais de saúde.
Essa questão do plano é levantada porque, neste momento, já existem as vacinas. O que se segue? Temos as vacinas a serem encaminhadas para a conservação. Quais são os passos seguintes sem um plano que deve conduzir a esses mesmos passos?
O país tem mais de quatro décadas de experiência de vacinação, incluindo a introdução de uma série de novas vacinas na última década. Portanto, há uma série de mecanismos sobre como se lida com uma vacina. Então, a vacina chega, é preciso fazer uma série de verificações sobre o que aconteceu durante o processo de transporte. As vacinas são acompanhadas por monitores que nos ajudam a perceber o que aconteceu no processo de transporte. É preciso conferir as vacinas. Esta primeira remessa da vacina tem como objectivo principal a vacinação dos profissionais de saúde e é preciso fazer as vacinas chegarem a todas as províncias do país.
Portanto, há uma série de aspectos logísticos que vão entrar agora em funcionamento. São mecanismos que acontecem para qualquer vacina. Esta vacina tem a grande vantagem de ser conservada à temperatura de dois a oito graus centígrados e estes mecanismos vão ser postos em marcha a partir do momento que a vacina chega. Há protocolos já autorizados e validados para qualquer vacina [incluindo a que chegou ao país]. O Ministério da Saúde tem protocolos aprovados e sabe o que fazer quando chega uma vacina. Todos os anos chegam ao país milhões de doses de outras vacinas que seguem o mesmo tipo de procedimento.
Já há condições para armazenar e conservar essas vacinas, uma vez que têm que ser levadas para todo país? Estamos a falar de uma temperatura de dois a oito graus centígrados. Os nossos armazéns, depósitos e outras unidades de conservação de vacinas e medicamentos têm condições para fazer a conservação?
Como disse, todos os anos o Ministério da Saúde vacina mais de um milhão de crianças e cada uma dessas crianças recebe várias vacinas. E estas vacinas chegam a todo o país, a todas as unidades sanitárias e a locais onde também não há cobertura de unidades sanitárias. Toda esta cadeia de aprovisionamento de imunização das pessoas é aquilo que vamos utilizar para estas vacinas [que chegaram da China].
Coloquem em perspectiva que todos os anos circulam pela cadeia de aprovisionamento que o Ministério da Saúde tem, qualquer coisa como cerca de 10 milhões de vacinas e nós agora estamos a falar de 200 mil. O sistema está preparado para lidar com estas 200 mil vacinas. As questões de logística e de preparação da cadeia de frio não se põem nesta primeira fase porque o número de vacinas que compõem essa primeira fase, proporcionalmente é muito reduzido quando comparado àquilo que todos os anos o Ministério da Saúde manuseia em termos de vacinas.
Essas questões serão colocadas em fases subsequentes e para essas fases será necessário estabelecer algumas capacidades novas descritas ao nível do plano [nacional de vacinação]. Essas capacidades novas terão que lidar com o aumento substancial do número de vacinas com que o país vai ter que lidar, ao longo dos próximos meses. O país precisará de fortalecer a sua capacidade logística, a sua capacidade de frio como todos os países do mundo estão a fazer.
Nenhum país no mundo estava preparado para essa necessidade acrescida de vacinar uma grande parte da sua população e, principalmente, de vacinar grupos-alvo que não são normalmente os abrangidos pelas campanhas de vacinação. Por exemplo, em países como Moçambique, o principal grupo-alvo de vacinação em tempos normais são as crianças. Neste caso, teremos que vacinar pouco mais da metade da população moçambicana, incluindo adultos. Isto vai, com certeza, colocar desafios. Mas esses desafios não se colocam nesta primeira fase com um grupo-alvo que é relativamente pequeno.
O Ministério da Saúde anunciou que os profissionais de saúde seriam o grupo prioritário. A seguir a esta linha, quais são os outros grupos subsequentes no contexto do plano nacional de vacinação?
Há uma série de princípios que são tidos em conta quando se define os grupos-alvo da vacinação, os grupos prioritários. Há seis princípios que foram acordados a nível global e que são defendidos pela Organização Mundial da Saúde e que foram adoptados por Moçambique também. São os princípios da justiça, da transparência, do bem-estar, da equidade, da reciprocidade e da solidariedade. Estes princípios são adoptados de forma universal em todos os países. Além disso, depois os países adoptam alguns guias para a definição de grupos prioritários, incluindo factores como a protecção dos grupos de alto risco como os profissionais de saúde, a necessidade de proteger os grupos com maior probabilidade de ter manifestações graves das COVID-19.
Há uma série de factores como estes que são tidos em conta na definição de grupos prioritários. Este exercício de definir os grupos prioritários é complexo, tem que ter em conta a evidência local. No caso de Moçambique, nós temos o privilégio de conduzir inquéritos sero-epidemiológicos que indicaram também os grupos de maior risco para contrair a infecção. Este tipo de evidência local também é importante ter em conta na definição de grupos de risco. Este exercício está terminado, é algo que está em processo de validação final.
A seguir aos profissionais de saúde, a ordem dos grupos que veem a seguir é algo que está ainda em processo de validação. Estes grupos prioritários irão incluir indivíduos que têm diabetes, por exemplo. A evidência internacional mostra que a diabetes é um dos principais factores que levam à doença grave e à mortalidade, mas também a nossa evidência no país mostra que a prevalência da diabetes entre o estágio grave e as infecções que resultam em óbito é alta nesse grupo. Esse vai ser um dos grupos prioritários.
Outro exemplo de grupo prioritário são os idosos. Há uma lista de grupos prioritários e a ordem para vacinação é algo que está a ser validado. Essa validação estará terminada nos próximos dias para implementação de acordo com o plano nacional.
Neste caso, há critérios científicos e universais, em articulação com a Organização Mundial da Saúde, que são usados para a definição dos grupos prioritários?
Tendo em conta as especificidades de cada país. Há uma normal, há uma série de critérios que foram definidos e tem que se ter em conta algumas especificidades.
Nesses critérios que coloca, onde cabem as Forças Armadas de Defesa de Moçambique, por exemplo, o corpo de salvação pública, a Polícia da República de Moçambique e porque não os políticos? Qual é o enquadramento destes grupos nestes critérios?
Os inquéritos sero-epidemiológicos que nós realizamos mostraram que há uma série de grupos profissionais da linha da frente com seroprevalência elevada indicativa de exposição. Entre esses grupos encontravam-se as Forças de Defesa e Segurança, trabalhadores de estabelecimentos comerciais e trabalhadores de mercados. São todos esses grupos que a nossa evidência local mostra, que são grupos muito expostos ao vírus e listados nas prioridades do país. Como disse, a ordem de prioridade é algo que precisa ainda de validação, mas a nossa evidência mostra que estes grupos são expostos e merecem uma atenção especial.
Uma outra questão tem a ver com a diversidade de vacinas. Os riscos de o país receber vários tipos de vacinas. Há algum risco na recepção e administração de várias vacinas ou este não é um aspecto preocupante neste momento?
Eu diria que não é um aspecto preocupante. Sem dúvida merece a devida atenção. É preciso compreender que a disponibilidade das vacinas no mercado internacional ainda é um problema. A maior parte dos países que iniciou programas de vacinação vai usar mais de uma vacina. Eu penso que Moçambique não terá alternativa senão usar mais que uma vacina.
É desejável que o número de vacinas que nós usamos não seja um número excepcionalmente grande, mas nós não podemos evitar ter que usar várias vacinas e não desejável que sejam 10 vacinas diferentes. Mas eu penso que nós temos, consoante a disponibilidade, julgar um número razoável entre três e cinco vacinas que vamos usar no país. Como disse no início desta entrevista, o país vacina todos os anos mais de um milhão de crianças e cada uma dessas crianças recebe várias vacinas diferentes. O país está habituado a usar vacinas diferentes.
Mesmo no Programa Alargado de Vacinação temos várias vacinas e o Ministério da Saúde está habilitado a lidar com todas elas. Algumas vacinas são de injecção intramuscular, outras são orais. Portanto, essa diversidade de vacinas é algo normal. Os sistemas de saúde de todo o mundo estão acostumados a lidar com esta diversidade de vacinas e nós na luta contra a COVID-19 iremos usar um número razoável de vacinas que será, com certeza, diferente de um. Estamos preparados para isso, mas a disponibilidade no final das contas é que vai ditar quantas vacinas diferentes nós iremos integrar no nosso programa.(x) Fonte: O País