Centenas de civis foram mortos, em Cabo Delgado, pelo grupo local ‘Al-Shabaab’, forças de segurança e Dyck Advisory Group (DAG), empresa militar privada contratada pelo governo, denuncia a Amnistia Internacional (AI), que pede o fim das hostilidades e investigação dos crimes de guerra.
No conflito, que iniciou em 2017, a AI, citando o projecto de recolha de Dados sobre a Localização e Eventos de Conflitos Armados, estima que mais de 1300 civis foram mortos, e mais de meio milhão de pessoas foram forçadas a abandonar as suas zonas de residência.
No seu novo relatório “O que vi foi a morte: Crimes de guerra no Cabo Esquecido de Moçambique”, a AI revela que as três partes envolvidas no conflito cometem “graves violações do direito internacional humanitário”, que, além de mortes violentas, resultaram numa destruição generalizada e crise humanitária.
“Os residentes de Cabo Delgado estão encurralados entre as forças de segurança moçambicanas, as milícias privadas que estão a lutar ao lado do governo e o grupo de oposição armada conhecido localmente como 'Al-Shabaab' – e nenhum dos três beligerantes respeita o direito dos civis à vida, nem as regras da guerra”, diz Deprose Muchena, director da Amnistia Internacional para a África Austral.
Muchena, que afirma que “a comunidade internacional não tem conseguido dar resposta a esta crise”, pede aos envolvidos no conflito “para que parem imediatamente de atacar civis, e ao Governo de Moçambique para que investigue urgentemente os crimes de guerra".
Decapitação e profanaçāo
No relatório, baseado em entrevistas com 79 deslocados internos de 15 comunidades, a AI diz escreve que “os combatentes do 'Al-Shabaab' (não ligado ao Al-Shabaab da Somália) mataram deliberadamente civis, incendiaram vilas e aldeias e cometeram actos de violência bárbaros (...) inúmeras decapitações e profanação de cadáveres”.
Sobreviventes contaram à AI que, por exemplo, em Quissanga, em Março do ano passado, aquele grupo realizou “execuções sumárias, espancamentos, raptos, incêndios e pilhagens”.
“Levam tanto rapazes como raparigas (...) Alguns levam-nos para os decapitar. Alguns obrigam as raparigas a tornarem-se ‘esposas’ e a fazer trabalho na base. Os rapazes tornam-se soldados,” contou um sobrevivente.
A AI cita o caso de uma mulher grávida de sete meses, que foi baleada e abandonada num ataque a um autocarro, na aldeia de Nguida, em Julho, no qual o seu marido foi morto. Ela resistiu aos ferimentos e deu à luz.
Falha na protecção de civis
A AI critica as forças governamentais por "levarem a cabo ataques perversos contra civis, que acusam de apoiar ou colaborar com o 'Al-Shabaab'”.
O relatório aponta que “os militares e agentes da polícia cometeram execuções extrajudiciais e actos de tortura e outros maus-tratos e mutilaram corpos”.
Em meados do ano passado, indica o relatório, houve situações em que mulheres foram levadas pelas forças governamentais para serem violadas numa base, onde outras pessoas eram executadas sem julgamento.
“As pessoas desapareciam. Eram todas levadas para o buraco para serem mortas. Eles vêm com uma lista de nomes e perguntam se os conhecemos. E nós não mentimos, para não nos levarem a nós também,” contou à AI uma sobrevivente.
A AI recorda neste relatório o caso de uma mulher nua que foi brutalmente assassinada, em 2020, por “homens que pareciam pertencer às Forças Armadas de Defesa de Moçambique”.
Para a AI, “as forças do governo moçambicano não estiveram também à altura do seu dever de proteger os civis dos ataques, assassinatos, raptos e outros abusos cometidos pelo 'Al-Shabaab'”.
Destruição do hospital de Mocímboa
Quanto ao Dyck Advisory Group (DAG), empresa militar privada sul-africana que Moçambique contratou para combater os insurgentes, a AI reporta que testemunhas disseram que cometeu igualmente atrocidades.
Os operacionais da DAG “dispararam metralhadoras dos helicópteros, lançaram granadas de mão indiscriminadamente contra multidões e dispararam também repetidamente contra infraestruturas civis, incluindo hospitais, escolas e habitações”, lê-se no relatório.
Entre outras atrocidades, a AI reporta que em Junho, na vila de Mocímboa, “helicópteros da DAG destruíram um hospital ao visar combatentes do 'Al-Shabaab' que estavam escondidos no edifício”.
“A maioria de terroristas estava no hospital, pensando que os helicópteros não poderiam atacar. Mas os operacionais de um helicóptero aperceberam-se disto e decidiram bombardear o hospital e foi assim que o hospital ficou completamente destruído,” contou uma testemunha.
Muchena diz que “a empresa (DAG) violou claramente o direito internacional humanitário ao disparar indiscriminadamente contra multidões, atacar infraestruturas civis e não distinguir alvos militares e civis”.
“É preciso agora responsabilizá-los pelos seus actos,” apela Muchena.(x) Fonte: VOA