Jurista classifica processos judiciais acionados por Moçambique para se libertar das "dívidas ocultas" como uma história de David contra Golias. CIP responsabiliza Suíça, Reino Unido e França e critica o seu silêncio.
"Isto é um grande jogo" em que "um país muito pequeno com recursos muito escassos " enfrenta "uma empresa muito poderosa [Prinvinvest] e um dos bancos mais poderosos do mundo [Credit Suisse]", afirma André Thomashausen, que hoje participou num debate via Internet, promovido pelo Fórum de Monitoria da Dívida (FMO), organização da sociedade civil moçambicana, para fazer um ponto de situação sobre os processos internacionais relacionados com o caso.
"Não vai ser fácil. É o pequeno David, Moçambique, que está a tentar fazer valer a justiça contra o Golias, o gigante", sublinhou o jurista radicado na África do Sul, que acompanha há várias décadas a realidade moçambicana.
O debate decorreu uma semana depois de o Tribunal de Recurso de Inglaterra e País de Gales ter dado provimento a um pedido do grupo Privinvest, concluindo que o processo movido por Moçambique na justiça inglesa deve ser antes tratado por arbitragem.
Arbitragem será o melhor caminho?
Ao contrário de outros analistas que vêm a decisão como uma derrota para Moçambique, Thomashausen considerou que a arbitragem poderá ser um meio "mais rápido e mais eficiente" de chegar a uma conclusão, do que "o processo em tribunal ordinário".
O académico e jurista defende que até agora só se indiciaram executores e não os autores de uma fraude de escala internacional que entre 2013 e 2014 levou à contração de 2,2 mil milhões de dólares de dívida soberana à revelia do Parlamento moçambicano.
Defende que a melhor base para a Procuradoria-Geral da República (PGR) libertar o país do espartilho é a partir do crime de branqueamento de capitais, motivo para "apresentar queixas criminais contra bancos e pessoas autoras das transferências nos Emirados Árabes Unidos, Suíça ou França".
O processo pode servir para "acordar a consciência dos grandes países e dos seu grandes e poderosos instrumentos de fiscalização, que falharam" neste caso, sublinhou. São mecanismos que "conseguem fiscalizar pagamentos ilícitos no tráfico de droga e estas transações ilícitas [das dívidas ocultas] não são diferentes".
"Dar uma lição" aos bancos internacionais
Thomashausen defende também a oportunidade para ser dada "uma lição aos grandes bancos internacionais", que "não podem fechar os olhos" a empréstimos baseados em garantias soberanas sem o devido escrutínio, sobretudo quando é preciso responsabilizar "aqueles que facilitaram este roubo a um dos países mais pobres do mundo", reiterando: "existe aqui um instrumento de branqueamento de capitais".
O orador defendeu inclusivamente que Moçambique tente usar a seu favor o testemunho do ex-ministro das Finanças, Manuel Chang, detido há dois na África do Sul a pedido dos EUA, e durante o mandato do qual foram emitidas as garantias, sob a presidência de Armando Guebuza. Chang "poderá ajudar a ganhar o processo contra a Privinvest e o Credit Suisse", porque "poderá explicar onde houve influência indevida".
As dívidas ocultas do Estado moçambicano durante a presidência de Armando Guebuza, à revelia do Parlamento e outras entidades, junto do Credit Suisse e do banco russo VTB. Os empréstimos foram justificados com projetos marítimos das empresas públicas Ematum, ProIndicus e MAM, fornecidos pelo grupo Privinvest, mas que nunca se concretizaram, sendo que o destino da maioria do dinheiro continua por apurar.
Depois de três antigos banqueiros do Credit Suisse se darem como culpados de conspirar para lavagem de dinheiro, a PGR moçambicana moveu uma ação judicial em Londres contra 12 arguidos, incluindo o banco e as empresas do grupo Privinvest. E apontou como objetivo anular a dívida de 622 milhões de dólares (552,6 milhões de euros) da ProIndicus ao Credit Suisse (contraída através da filial britânica) e obter uma indemnização para cobrir todas as perdas do escândalo.
CIP responsabiliza Suíça, Reino Unido e França
Borges Nhamire, do Centro de Integridade Pública (CIP), ONG moçambicana que tem acompanhado o processo das dívidas ocultas, também criticou hoje a Suíça, o Reino Unido e a França pela falta de iniciativas para apurar responsabilidades no caso.
"Na Suíça nada avança", referiu no debate promovido pelo Fórum de Monitoria da Dívida. A maioria dos cerca de dois mil milhões de euros que em 2013 e 2014 deu origem às dívidas ocultas e que foi desviado, foi entregue pelo banco Credit Suisse, sendo que as autoridades moçambicanas fizeram um pedido de colaboração à procuradoria suíça - que em fevereiro de 2020 abriu uma investigação contra "pessoas desconhecidas", sem desenvolvimentos.
Por outro lado, "o próprio Reino Unido não tem nenhum processo criminal contra os bancos sedeados em Londres, que deram os empréstimos a Moçambique", acrescentou. Apesar de os bancos serem de outros países - o Credit Suisse e o russo VTB -, as transações foram subscritas através de delegações bancárias no Reino Unido.
Em solo britânico chegou a ser aberto um processo administrativo sobre o papel dos bancos, mas foi um processo "que caiu" sem levar a qualquer responsabilização, sublinhou Nhamire. Além disso, nenhuma outra ação foi desencadeada, concluindo aquele responsável que "o Reino Unido não está a ser solidário com Moçambique no sentido de sancionar" as entidades bancárias e outras envolvidas.
"Mas também temos a França", realçou, onde foram construídos alguns barcos entregues à Ematum, uma das empresas marítimas parte do escândalo. "Os barcos foram construídos nos estaleiros da Constructions Mécaniques de Normandie para onde foi parte do dinheiro da Ematum, mas a França não se está a mexer do ponto de vista criminal para ajudar Moçambique", sublinhou.
Os Emirados Árabes Unidos acolhem a sede da Privinvest, estaleiro no centro do escândalo financeiro e para onde foram canalizados boa parte dos empréstimos, mas "pela sua natureza pouco democrática, não se poderia esperar mais", disse. Da França, Reino Unido e França "era de esperar" que se apurassem responsabilidades, sublinhou ainda Nhamire, tanto mais que são "países amigos", parceiros de Moçambique em várias outras áreas. "Mas neste escândalo das dividas, esses países não se estão a mexer", concluiu.(x)DW