Agências humanitárias registam 9,600 pessoas "devolvidas" da Tanzânia para Moçambique desde janeiro. "É uma violação do princípio da não devolução de alguém que procura salvar a vida", diz a chefe do ACNUR em Pemba.
A chefe do escritório da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) em Pemba, Margarida Loureiro, diz ainda surgem relatos de tiros e casas incendiadas em algumas zonas de Palma. Com mais de 70 mil pessoas forçosamente deslocadas somente daquele distrito, a situação continua a ser de alerta e intenso trabalho para as agências humanitárias em atividade em Cabo Delgado.
Em entrevista à DW África, Loureiro diz que não é possível saber objetivamente se a cidade continua a ser dominada por terroristas, porque o acesso humanitário é restrito em várias zonas ao norte de Cabo Delgado. "Aquilo que temos são os relatos das pessoas que saem de Palma com extremas necessidades", esclarece.
A chefe do ACNUR em Pemba salienta que sua equipa está a receber milhares de moçambicanos forçosamente devolvidos da Tanzânia. "Isto é uma clara violação daquilo que é o princípio da não devolução de alguém que procura salvar a vida e procura asilo num outro país". As autoridades fronteiriças registaram 9,600 pessoas "devolvidas" da Tanzânia desde janeiro.
DW África: Como está a situação em Palma neste momento?
Margarida Loureiro (ML): As pessoas que estão a ser forçosamente deslocadas das suas casas, das suas terras, têm os relatos mais aterrorizantes. A situação em Palma continua bastante instável. As pessoas relatam que ouvem tiros à noite, que há casas que continuam a ser incendiadas em algumas zonas - o que tem levado a que estas pessoas e famílias, muitas vezes também separadas, procurem outras localidades para salvaguardarem as suas vidas. Esta é a realidade que estamos a assistir desde 24 de março. Já há mais de 70 mil pessoas forçosamente deslocadas somente do distrito de Palma.
DW África: A cidade continua a ser ocupada por terroristas, como avança o jornal moçambicano O País?
ML: Nós não temos esta informação. Portanto, não lhe posso responder objetivamente à questão e também não temos acesso a esta zona de Palma. O acesso humanitário é restrito em várias zonas ao norte de Cabo Delgado. Aquilo que temos são os relatos das pessoas que saem de Palma, pessoas que vivem com extremas necessidades, não só de proteção e de salvaguarda dos seus direitos mais básicos, mas também de serviços básicos – de acesso à comida e água. Esta é a situação que é relatada pelas pessoas que fogem de Palma.
DW África: Para onde fogem as pessoas?
ML: Para onde podem. Ao início dos ataques de Palma, tínhamos uma grande fuga para Pemba por diversos tipos de embarcações e também de avião. Mas, na verdade, não é em Pemba que está alojada a maioria destas famílias, muitas estão nos distritos de Mueda e Nangade. Montepuez e Ancuabe também têm recebido bastantes famílias. Metuge, que está a uma hora de Pemba, Balama e Chiúre recebe pessoas. Mecufi e a ilha do Ibo, que é também bastante vulnerável. Em Pemba, estamos a registar chegadas diárias. Chegam a pé, em condições bastante severas a nível de saúde física, mas também mental. As pessoas chegam altamente traumatizadas.
DW África: E o ACNUR tem tido todos os meios necessários para ajudar as pessoas desalojadas?
ML: Esta é uma operação que não está completamente financiada, o financiamento é escasso. Todas as organizações, não só o ACNUR, mas as várias organizações das Nações Unidas que estão no terreno, dão o que têm e como podem para assistir as pessoas que estão aqui na província de Cabo Delgado e as que estão a ir para outras províncias.
DW África: Há pessoas que estão a fugir para a Tanzânia. O país vizinho está preparado para receber estes refugiados?
ML: Deste lado da fronteira, que é onde nós estamos, estamos a receber milhares de moçambicanos, sobretudo mulheres e crianças, que estão a ser forçosamente devolvidas a Moçambique. Isto é uma clara violação daquilo que é o princípio da não devolução de alguém que procura salvar a vida e procura asilo num outro país por uma situação de perseguição em conflito armado no seu próprio país. Isto é o que tem vindo a acontecer. Nós temos estado com o pessoal em observação de fronteira na zona de Negomano. Desde janeiro deste ano, temos números através das autoridades fronteiriças de Moçambique, que connosco trabalham e têm estado a trabalhar 24 horas para proteger estas pessoas que chegam a Negomano. Já há cerca de 9,600 pessoas que chegaram desde janeiro
DW África: O ACNUR distingue entre deslocados e refugiados, por que esta distinção?
ML: São ambos protegidos pelo direito internacional, têm ambos direito à proteção internacional, mas a diferença está precisamente na fronteira. A partir do momento em que alguém sai do seu país por motivos de perseguição - não necessariamente por conflitos armados, mas pela sua etnia, religião, orientação sexual, entre outros - quando passa a fronteira e pede asilo a outro país, essa pessoa é "solicitante de asilo" e pode ser um "refugiado". Passa a estar sob a proteção do país que lhe confere asilo. Os deslocados internos que temos aqui são moçambicanos com plenos direitos, como qualquer cidadão moçambicano. Se os moçambicanos estiverem por exemplo, em outro país, aí têm que obedecer a legislação nacional deste país que os está a proteger, mas não são nacionais deste país.(x) Fonte:DW