A 23 de maio, o refugiado ruandês Ntamuhanga Cassien foi sequestrado por cerca de oito homens desconhecidos na Ilha de Inhaca, em Maputo. Na altura, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação disse que era um assunto policial e que portanto nada tinha a dizer. A polícia, por seu lado, afirmou que estava a trabalhar no assunto.
Entretanto, nos últimos dias já se fala do paradeiro do refugiado, e o dedo acusador está virado justamente para a polícia. O investigador Elísio Macamo comenta que "o refugiado ruandês foi raptado com o envolvimento da polícia moçambicana e que vai ser devolvido para ser julgado por crimes políticos".
O sociólogo moçambicano acrescenta: "As pessoas sabem que ele está numa esquadra, portanto, a ideia de que foi raptado [não cola]. Primeiro a polícia disse que não sabia, mas sabe-se que ele está numa esquadra. Tudo indica que estavam a fazer tempo para depois o recambiarem".
A organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW) defendeu esta terça-feira (15.06) que "as autoridades moçambicanas devem reconhecer a detenção do jornalista ruandês Cassien Ntamuhanga, dado como desaparecido, e impedir o seu retorno ao Ruanda".
Por causa da perseguição política do regime de Paul Kagame, Ntamuhanga Cassien, jornalista e ex-diretor da rádio cristã Amazing Grace, em Kigali, e também opositor do regime, procurou refúgio em Moçambique. Longe da agitação da capital, Maputo, levava uma vida tranquila fazendo comércio.
O que prevê o proceso penal?
Mas pode um cidadão com o estatuto de refugiado ser recambiado, deportado ou extraditado para a sua terra de origem para ser julgado por supostos crimes que cometeu?
Custódio Duma é jurista e esclarece que, segundo o processo penal moçambicano, "a extradição acontece normalmente com pessoas que estão cá sob autoridade judicial por conta de crimes praticados que têm de ser devolvidos para o seu país para a continuidade do processo".
"Praticamente não tem nada a ver com a questão do asilo ou estatuto do refugiado e procura proteção", acrescenta.
Duma sublinha que "por conta desse tipo de refúgio, porque no seu lugar de origem há perigo de ser extra-julgado, extra-condenado ou extra-punido, o Estado que detém o cidadão, com base nos príncipos de Genebra, tem a obrigação de continuar a proteger esse cidadão".
A Convenção da ONU relativa ao Estatuto dos Refugiados define o que é um refugiado e estabelece os direitos dos indivíduos aos quais é concedido o direito de asilo bem como as responsabilidades dos estados concedentes.
A convenção também define quem não pode ser considerado refugiado, como por exemplo criminosos de guerra.
Convenção de Genebra desrespeitada?
Contudo, os sinais que o Governo de Maputo parece estar a emitir, se de facto mandar Cassien de volta para Kigali, iriam contrariar e violar os tratados e leis internacionais de que é signatário, como a Convenção de Genebra de 1951. E à margem das leis que garantem o funcionamento de um Estado, há suspeitas de que Maputo e Kigali estejam a gerir o caso Cassien de forma paralela e irregular.
Duma explica que "cada Estado normalmente diz alguma coisa [quando um processo destes está em curso]. Em nenhum dos casos inclui raptos e secretismo. Então, o que está a acontecer aqui eu não sei..."
De lembrar que Maputo se aproximou recentemente de Kigali em busca de apoio militar para combater o terrorismo em Cabo Delgado. Analistas entendem que o preço que Moçambique terá de pagar é a entrega dos dissidentes de Paul Kagame exilados em Moçambique. A confirmar-se a deportação de Cassie confirma-se-á também as leituras dos investigadores.
A Associação dos Ruandeses Refugiados em Moçambique teme que o jornalista seja "eliminado" se for enviado para o Ruanda por saber "muitos segredos". A DW procurou esclarecer junto da polícia sobre a suposta detenção irregular do jornalista ruandês, mas sem sucesso.(x) Fonte:DW