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terça-feira, 17 setembro 2024 17:22

Cabo Delgado: Erosão ameaça engolir a Cidade de Pemba - Especial Reportagem

Cratera localizada no Bairro de Mahate, na zona de Chapa 50, uma das várias existentes em Pemba causadas pela erosão. Cratera localizada no Bairro de Mahate, na zona de Chapa 50, uma das várias existentes em Pemba causadas pela erosão.

Na vibrante costa de Pemba, um drama visível desenrola-se com uma força destrutiva implacável.

A erosão, uma ameaça silenciosa, está a consumir terras, a desmoronar habitações e a comprometer a infraestrutura vital da cidade. Esta reportagem examina as causas, consequências e respostas envolvidas, trazendo à luz a magnitude de uma crise que demanda ação urgente.

A Zumbo FM Notícias deslocou-se a diversos pontos da Cidade de Pemba, para ouvir e ver de perto o dilema causado pela erosão.

Ruquia Magido, moradora do Bairro Mahate, relata: “Durante a chuva, a cova se deteriora e a água escorre com intensidade. As duas casas da minha mãe foram engolidas pela cova. Vivemos com medo. Sempre que a situação piora, recorremos aos chefes, mas não obtemos respostas. Muitas casas já foram destruídas. Estamos preocupados com essa cova; a água que desce com força está deteriorando ainda mais a cova, indo em direção à praia e causando estragos,” relatou Ruquia Magido, uma mãe de pouco mais de 37 anos, visivelmente angustiada.

Jovem com mais de 25 anos de idade, Jordão António Valério, outra vítima da erosão na mesma área, acrescenta: “Essa cova começou a se formar durante o tempo de Kennety. As empresas Alheia e outra próxima à oficina foram responsáveis pela erosão. Até agora, a situação tem causado danos e perdas nas vizinhanças. Uma pessoa quase morreu tentando atravessar; atualmente, não podemos nem ir conversar com os vizinhos devido à dificuldade de passagem. Não houve nenhuma intervenção do governo local, e estamos pedindo que as autoridades resolvam esse problema.” lamentou

A situação não é crítica apenas no Bairro de Mahate. Nas zonas de Chibuabuar e Embodeiro, localizadas no Bairro de Caríaco, por exemplo, o problema da erosão é igualmente devastador. Hermínia, nome fictício, moradora de Chibuabuar, descreve a situação com preocupação: “Aqui, quando começa a chover, o chão desaba. Várias casas já caíram, e muitas famílias foram forçadas a deixar seus lares. As valas são tão profundas que quase impedem a passagem de um lado ao outro.” Hermínia apelou às autoridades para que tomem medidas urgentes, antes que a erosão se torne incontrolável na região. “Precisamos de soluções concretas e imediatas. Nossas vidas estão em risco,” implora ela.

Já Manuel Abdulai, morador da zona de Embodeiro, relata como as famílias estão a ser diretamente afetadas pela erosão: “Observamos a terra desmoronar diante de nossos olhos. Quando as chuvas são mais intensas, a situação piora. A cada estação, perdemos mais do que apenas casas; estamos perdendo nossa segurança e dignidade.” Abdulai apela ao governo local: “Esperamos que desta vez as autoridades cumpram suas promessas e comecem a resolver o problema antes que toda a comunidade seja engolida.” apelou a vítima.

Engana-se quem pensa que os gritos de socorro ecoam apenas a partir do Bairro Mahate e Caríaco por intermédio da população pacata. A ameaça de erosão não poupa nem mesmo as instituições educacionais. Cacilda Rafael, Diretora da Escola Básica Amizade Moçambique-China, falou à nossa reportagem em fevereiro último e relatou o drama. A liberdade das crianças durante o recreio teve que ser limitada devido ao perigo representado pela cratera causada pela erosão nas imediações da escola.

“O impacto desta cratera é extremamente negativo. Primeiro, impede a circulação das nossas crianças e funcionários e coloca em risco a vida dos nossos alunos, pois temos crianças de 6 anos que ainda não têm discernimento para identificar perigos e tomar precauções. Estamos na época chuvosa e pode começar a chover enquanto as crianças estão na escola e tentam ir para casa. Isso pode resultar em sérios problemas e até em tragédias,” afirmou Cacilda Rafael, Diretora da Escola Básica Amizade Moçambique-China.

Na época, a situação era igualmente grave na Escola Secundária Maria Mazaarelo. Irmã Rosária, Diretora da Escola, disse que o problema já se tornou crítico: “Tentamos minimizar o impacto com sacos de areia, mas a situação ultrapassou nossas capacidades. Comunicamos às estruturas locais e estamos aguardando respostas. Realizamos um estudo e agora estamos à espera para ver se as ações necessárias serão iniciadas,” descreveu.

A cova, localizada no Bairro de Mahate, na zona de Chapa 50, está a menos de 30 metros da EN1 e ameaça bloquear a principal via que da acesso à cidade de Pemba. Por isso contatamos a Administração Nacional de Estradas (ANE) em Cabo Delgado, que reconheceu a gravidade da situação: “É uma situação muito crítica. Estamos à beira de perder a EN1. No momento, não temos uma data definida para a solução, mas o problema será priorizado. Precisamos de recursos e ajustaremos nossos contratos para resolver a questão,” informou uma fonte da ANE.

Diante das dificuldades enfrentadas por algumas escolas, entramos em contato com a Direção Provincial de Educação de Cabo Delgado para investigar a gestão do problema.

Rachide Sualehe, Chefe de Departamento da Direção Pedagógica, Gestão e Garantia de Qualidade da Direção Provincial de Educação, destacou os desafios enfrentados: “O problema é amplamente conhecido, mas a falta de fundos tem dificultado a implementação completa das soluções necessárias. Estamos mobilizando recursos e aguardando a resposta do governo para avançar nas intervenções.”

Entrámos também em contato com o Edil de Pemba, Satar Abdulgani, que reconheceu a gravidade da situação e assegurou que estão sendo realizados esforços para mitigar o problema. "No Chapa 50, o vereador já visitou a área e, no processo de mitigação, não temos capacidade para fornecer uma solução de uma única vez. Estamos agindo de forma gradual; como mencionei, algumas erosões existem há mais de 8, 3, 4 anos e estamos tentando resolvê-las o mais rápido possível ao longo do nosso mandato. Estamos no caminho certo e acredito que em breve conseguiremos resolver todas as erosões," afirmou Abdulgani.

O Edil de Pemba também informou que estão sendo realizados processos para controlar algumas erosões, incluindo a da escola mencionada anteriormente: "Atualmente, estamos realizando processos para estancar algumas erosões. Identificamos cerca de 5 pontos críticos na cidade. Já conseguimos estancar duas erosões, uma entre a escola Maria Mazzarello e Alto Gingone, e outra no bairro de Eduardo Mondlane. Além disso, estamos trabalhando na mitigação da erosão no bairro de Metula. Estamos utilizando mecanismos convencionais e tentando trazer a infraestrutura por cima das áreas afetadas para simplificar e reduzir os custos," acrescentou Satar Abdulgani.

Entretanto, estudiosos revelam que a erosão em Pemba resulta de fatores combinados entre naturais e climáticos. De acordo com Dorival Motereda, Delegado Provincial do Instituto Nacional de Meteorologia (INAM), os fatores climáticos amplificam a erosão na região: “A erosão predominante na área é de origem hídrica, intensificada pelas chuvas. As mudanças climáticas estão a provocar um aumento na intensidade e frequência das chuvas, exacerbando a erosão. Dados históricos mostram uma escalada preocupante na erosão ao longo das últimas décadas.”

Motereda destaca que, além das chuvas intensas, a elevação da temperatura e os ventos extremos contribuem significativamente para o agravamento dos processos erosivos. Urge, portanto, a necessidade de mitigar seus impactos através da adoção de medidas como: “Temos que estar focados na criação de valas de drenagem que respeitem o curso natural das águas. Esta é uma solução essencial para mitigar os danos,” disse.

João Sevene, geólogo, entende que a erosão em Pemba está ligada a fatores como a quantidade de chuva, a topografia acidentada e o tipo de solo: “Os principais fatores da erosão em Pemba incluem a quantidade e intensidade da chuva, a topografia acidentada e o tipo de solo. Solos arenosos e argilosos são particularmente vulneráveis, e a topografia inclinada concentra a água em pontos específicos, aumentando o risco de erosão,” alertou o geólogo João Sevene.

Sevene recomenda: “Planejar o uso do solo e a urbanização de forma adequada, entendendo as bacias hidrográficas e criando mecanismos para facilitar a passagem da água; construir longe de áreas propensas à erosão, evitando a construção em locais que possam bloquear os caminhos naturais da água; e utilizar espécies vegetais resistentes à salinidade, como algas e mangues, para proteger a costa e reduzir o impacto das águas. Estudos geológicos são sempre necessários.”

Em resposta a uma questão sobre erosão costeira, Sevene afirma: “A erosão costeira também pode ser abordada por meio da proteção das edificações costeiras e a redução da intrusão salina, que pode ser mitigada com práticas de gestão da água.”

A Zumbo FM Notícias ouviu em exclusivo o ativista ambiental, docente universitário e membro de Santo Egídio em Cabo Delgado, Claife Jermias, que destacou construções desordenadas e desmatamento como fatores significativos que impulsionam a erosão em Pemba: “A construção desordenada e o desmatamento são fatores significativos na erosão.”

Claife Jermias recomenda a implementação de sistemas de drenagem adequados e a promoção da arborização urbana: “Recomendamos a implementação de sistemas de drenagem adequados e a promoção da arborização urbana. Barreiras de concreto podem ser úteis, mas devem ser empregadas com cautela para evitar impactos ambientais negativos.”

Jermias enfatiza a importância da integração de soluções práticas e ecológicas: “A proteção das áreas costeiras deve incluir vegetação adequada para estabilizar o solo, enquanto o plantio de árvores e a criação de áreas de drenagem são essenciais para a zona continental.”

À Zumbo FM Notícias, Oryza da Graça, também ambientalista e docente universitária, acrescenta que a erosão em Pemba pode ter várias origens, destacando causas antropogênicas como o uso inadequado do solo para a agricultura, remoção de solo e construções impróprias, além de fatores naturais: “A degradação dos solos pode ter várias origens, destacando-se as causas antropogênicas, como o uso inadequado do solo para a agricultura, a remoção de solo e construções impróprias. Fatores naturais, como chuvas e ventos, também contribuem, mas em Pemba, a perda das camadas superficiais é principalmente atribuída às ações humanas e às características do solo.”

Para enfrentar a erosão, segundo Oryza da Graça, é crucial: “Educar e sensibilizar a população sobre a erosão e suas causas, fornecendo informações claras e acessíveis; promover o plantio de espécies vegetais que ajudam a controlar a erosão, como vegetação adequada para estabilizar o solo; e proibir construções em áreas inadequadas para evitar a erosão e respeitar o fluxo natural da água.”

Em fim, a erosão em Pemba é um desafio complexo, resultado de uma combinação de fatores naturais e humanos. A crise exige uma resposta abrangente que envolva autoridades, especialistas e a comunidade. A implementação de estratégias baseadas em pesquisa, a mobilização de recursos e a educação ambiental são fundamentais para mitigar os efeitos da erosão e garantir a resiliência da cidade.

Recorde-se que, em 2023, o Município e parceiros anunciaram um investimento de cerca de 589.000 USD (equivalente a 37.254.224,08 Meticais) para a construção de valas de drenagem em Pemba. O antigo Presidente do Conselho Municipal de Pemba, Floret Simba Mutarua, declarou: “Nosso objetivo é estancar o problema da erosão acentuada com este projeto, apoiado e financiado pelo WFP e outras organizações. Também vamos acelerar a construção de valas de drenagem e promover a arborização.”

A implementação de medidas práticas e uma coordenação eficaz são essenciais para restaurar a segurança e integridade de Pemba, assegurando que a cidade possa enfrentar e superar os desafios impostos pela erosão. (x)

Por: Rafael Cocorico

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