Os académicos abordaram, nesta segunda-feira, 28 de Abril de 2025, em entrevista exclusiva à Zumbo FM Notícias, os primeiros 100 dias de governação do Presidente da República de Moçambique, Daniel Chapo. A análise dos especialistas concentrou-se em vários aspetos da administração do novo presidente, com um foco particular na situação em Cabo Delgado, marcada por desafios humanitários, de segurança e económicos.
O académico residente, Aly Caetano, falou sobre as suas expectativas não correspondidas nos primeiros 100 dias de governança do Presidente Daniel Chapo. Cetano destacou que, apesar de o Presidente ter dado a entender que havia uma nova abordagem para a gestão do conflito em Cabo Delgado, a situação parece ter ficado estagnada.
"No geral, um dos slogans de Chapo era de fazer algo para ter resultados diferentes, e isso me marcou muito quando eu ouvia o presidente falar. Eu estava na expectativa de que, de fato, teria uma nova abordagem em relação ao conflito em Cabo Delgado, mas o que me parece é que, nos últimos 100 dias, o conflito vem cada vez mais sendo esquecido, tanto na vertente humanitária quanto na securitária", afirmou Caetano.
Caetano também comentou sobre a crise humanitária que continua a afetar a província, afirmando que a ajuda não tem sido suficiente para lidar com as consequências do ciclone Idai e o impacto das mudanças climáticas. O académico sublinhou que o tratamento da população afetada ainda está aquém do esperado.
"A crise humanitária em Cabo Delgado não pode ser vista só na vertente do terrorismo, mas também nas pessoas afetadas pelas mudanças climáticas", acrescentou.
Em relação à segurança, Caetano notou que, embora tenha havido algum progresso na estabilização da situação em comparação com os anos de 2020 a 2022, ainda persiste a incerteza sobre a localização e a natureza dos ataques terroristas. Ele também ressaltou que, atualmente, o terrorismo está a alastrar-se para áreas do sul da província, como Montepuez, Metuge e Ancuabe, o que gera ainda mais insegurança.
"O fato é que os terroristas se alastraram para regiões que não eram de costumes. Desde 2023 a 2024, temos visto o alastramento do terrorismo para regiões do Sul da província de Cabo Delgado, como Montepuez, Metuge e Ancuabe. A situação de segurança melhorou bastante em comparação com 2020, 2021 e 2022, mas ainda há incertezas, e isso é o mais preocupante", explicou Caetano.
Outro ponto importante levantado por Caetano foi a questão da reintegração dos ex-combatentes e ex-insurgentes. Para ele, não está claro como o Estado está a garantir uma reintegração eficaz e estruturada desses grupos. O académico alertou para a necessidade de abordar a questão de forma mais estratégica, com ênfase no apoio psicossocial, tanto para os reintegrados quanto para as comunidades que os recebem.
"Não me parece existir de forma estruturada uma abordagem do estado para garantir a reintegração. A Anistia, embora possa ter aspectos positivos, não está clara em relação a como e quem deve ser responsável pelo processo", afirmou Caetano.
Caetano também falou sobre as dificuldades económicas que a província enfrenta e o impacto limitado da retoma dos grandes projetos de gás, como o de Total, nas comunidades locais. A inclusão da juventude local nos projetos continua a ser uma grande preocupação, e o académico destacou a necessidade de uma maior inclusão nas oportunidades de emprego.
"Existe um sentimento de exclusão generalizado por parte da grande parte da juventude em Palma. Eles compartilham a opinião de que os grandes projetos não têm beneficiado como deveriam", concluiu Caetano.
Outro acadêmico Abudo Gafuro, falou sobre os 100 primeiros dias de governo do Presidente da República, Daniel Chapo, destacando os principais desafios enfrentados pelo governo, como a segurança, a assistência humanitária e a coordenação entre o governo e as organizações da sociedade civil.
Gafuro começou sua análise dizendo que os primeiros dias do governo de Chapo foram desafiadores, especialmente devido às manifestações e aos ataques que aconteceram em várias partes do país, resultantes de um aproveitamento de forças externas que buscavam desestabilizar o governo. Ele mencionou que a destruição causada por esses movimentos exigiu que o governo adotasse um modelo de inclusão, focando nas áreas mais críticas para resolver problemas urgentes da população.
"Primeiro, é importante destacar que os primeiros dias de governação foram muito desafiadores, principalmente devido à transição do governo anterior para o atual. A destruição causada pelas marchas e manifestações em vários países, com aproveitamento de pessoas não bem identificadas, buscava desestabilizar o estado moçambicano. Essas pessoas aproveitaram a oportunidade para gerar destruição. Contudo, o Presidente Chapo e o seu executivo enfrentaram e ainda enfrentam este grande desafio de construção. Eles adotaram um modelo de inclusão, atacando setores com maior gravidade. Apesar de muitos problemas no país, a prioridade foi identificar as áreas mais críticas e atacá-las para ultrapassar a situação. Esses 100 dias foram desafiadores e continuarão a ser nos próximos, pois o governo não pode se dar ao luxo de estar em silêncio. Ele deve atuar rapidamente nas zonas de maior necessidade. Nem todos os problemas serão resolvidos em 100 dias, mas é preciso arregaçar as mangas e trabalhar de forma eficaz", afirmou Gafuro, destacando a importância da ação rápida e coordenada.
Em relação à situação em Cabo Delgado, Gafuro destacou a necessidade urgente de assistência humanitária devido à combinação de calamidades naturais, como chuvas e tempestades, e a violência constante dos insurgentes. Ele enfatizou que a comunidade nacional e internacional deve trabalhar mais ativamente para minimizar o sofrimento da população e garantir que esta se sinta integrada no processo de reconstrução do país.
"Em termos de assistência humanitária em Cabo Delgado, é imprescindível. Atualmente, estamos lidando com duas ou três calamidades: as naturais, como as chuvas e as tempestades, e as provocadas pelos insurgentes. Estes, que após se dispersarem de suas bases, continuam a realizar ataques esporádicos, causando o deslocamento de cidadãos. A necessidade de políticas mais eficazes para minimizar o sofrimento é clara, pois a população de Cabo Delgado precisa sentir-se parte do processo de reconstrução do país", sublinhou Gafuro, reforçando a importância da ajuda humanitária.
Gafuro mencionou que, embora tenha havido uma melhoria na segurança, os insurgentes continuam a operar em várias regiões, o que demonstra a fragilidade do sistema de segurança. Ele defendeu que, para combater eficazmente os insurgentes, é necessário mais recursos e um maior fortalecimento das forças de defesa.
"Durante os 100 dias, houve alguma melhoria na segurança, mas ela ainda é parcial. Os insurgentes continuam a mostrar que ainda estão ativos, como evidenciado pelos ataques nos distritos de Ancuabe, Meluco, e até em zonas inesperadas como Nairoto e Montepuz. Isso demonstra a fragilidade da segurança. Além disso, a nossa força de defesa e segurança precisa de mais recursos e de um fortalecimento moral para enfrentar esses desafios e combater os insurgentes até as últimas consequências", disse Gafuro, destacando a importância de mais investimentos e recursos para a segurança.
Ele também elogiou o trabalho do governador da Província de Cabo Delgado, afirmando que tem se dedicado à visitação das áreas mais críticas, mostrando à população o compromisso do governo com sua segurança e bem-estar. Isso, segundo Gafuro, é uma abordagem importante para fortalecer a confiança da comunidade.
"O governador da Província de Cabo Delgado tem feito um trabalho excelente, visitando as zonas mais críticas e mostrando à população que o governo está comprometido com sua segurança e bem-estar. Ele tem sido uma presença constante nas áreas de maior risco, o que é vital para fortalecer a confiança da população e garantir que todos se sintam incluídos no processo de reconstrução", afirmou Gafuro, elogiando o trabalho do governo provincial.
Gafuro também abordou a questão das organizações da sociedade civil, afirmando que, apesar de seus esforços, ainda falta uma maior coordenação entre as ONGs e o governo. Ele sugeriu que as organizações devem trabalhar de forma coordenada para garantir que suas ações sejam mais eficazes e bem direcionadas.
"As organizações da sociedade civil, tanto nacionais quanto internacionais, têm feito um trabalho relevante, mas a coordenação entre elas e o governo precisa ser mais eficaz. Cada organização não pode atuar de maneira isolada. Se houver uma coordenação mais clara e eficaz, teremos mais sucesso nas ações de ajuda e reconstrução", comentou Gafuro, chamando a atenção para a necessidade de uma melhor organização das ações no terreno.
Gafuro também falou sobre a necessidade de reintegração dos ex-insurgentes, sugerindo que o governo deve adotar políticas de inclusão e requalificação, especialmente no setor agrícola. Segundo ele, essa abordagem ajudaria na reintegração dessas pessoas na sociedade, além de aliviar o sistema penitenciário, sobrecarregado pelo número crescente de prisioneiros.
"A reintegração dos ex-insurgentes deve ser uma prioridade, e isso pode ser feito através de programas de inclusão, especialmente no setor agrícola. Isso permitirá que essas pessoas se integrem à sociedade, além de reduzir a pressão sobre o sistema penitenciário. O governo precisa abrir essas oportunidades de requalificação e reintegração, com a participação de psicólogos, líderes religiosos e membros da sociedade civil, que devem ser incluídos nesse processo", defendeu Gafuro, destacando a importância da inclusão para o sucesso da reintegração.
Gafuro destacou que o país deve aprender com os erros do passado em relação à exploração de seus recursos naturais. Ele afirmou que, se o governo não agir de maneira proativa, os moçambicanos, especialmente os jovens, podem se sentir excluídos dos grandes projetos, como os da exploração de gás, o que pode gerar descontentamento e insegurança social. Gafuro propôs que, para reduzir essa dependência do trabalho estrangeiro, deveria haver uma formação técnica mais robusta para os jovens locais, possibilitando sua inclusão no processo de exploração dos recursos.
"Parece que o governo ou o Estado moçambicano não soube aproveitar as oportunidades que tivemos no passado. O país deveria ter aprendido com os próprios erros, especialmente no que se refere à exploração de recursos naturais. Por exemplo, a exploração do gás no norte de Moçambique precisa de uma estratégia que envolva a formação de jovens locais. Moçambique não pode depender de milhares de estrangeiros para trabalhar em projetos que poderiam empregar um número considerável de moçambicanos, principalmente da região norte, onde a exploração está acontecendo. É fundamental que os jovens recebam formação técnica para que possam ser parte integral do processo de exploração", disse Gafuro, alertando para o risco de exclusão da população local.
Além disso, Gafuro levantou uma preocupação sobre a construção da base flutuante para a exploração de gás e o impacto que isso pode ter no futuro da economia nacional. Ele mencionou que a infraestrutura marítima de Moçambique ainda é frágil, o que representa um risco para a segurança nacional e a exploração sustentável dos recursos.
"Aqui há muitos riscos, porque a plataforma flutuante que estamos a falar não será uma base fixa. Ela será uma estrutura flutuante, e precisamos de um plano para o futuro. O que acontecerá depois da exploração? Precisamos de investir mais em setores como o ensino técnico e a ciência, para preparar os jovens e garantir que o país possa aproveitar o conhecimento gerado localmente", afirmou Gafuro, sugerindo a importância de fortalecer a formação da juventude nas áreas de ciência e tecnologia.
Em relação à agricultura, Gafuro criticou a falta de organização dos agricultores e a falta de apoio do governo, especialmente para os pescadores e pequenos produtores. Segundo ele, o governo deve investir mais na organização das cooperativas e na infraestrutura necessária para que a produção local seja uma fonte de crescimento econômico.
"Ainda estamos longe de ter resultados palpáveis, pois a agricultura precisa de um maior esforço. Os pescadores, por exemplo, precisam ser organizados em cooperativas para que possam aumentar sua capacidade de produção e distribuir seus produtos em outros pontos. Além disso, é necessário investir em infraestrutura como frigoríficos e colmeias, para que o pescado e outros produtos agrícolas possam ser processados e distribuídos", destacou Gafuro, frisando que a organização dos produtores é fundamental para o sucesso do setor.
Ele também mencionou que o país precisa de ações concretas para aumentar a produção agrícola e reduzir a dependência de ajuda internacional. Segundo Gafuro, a capacidade de produzir alimentos locais e abastecer os mercados internos ajudará a fortalecer a economia local e nacional, criando mais empregos e oportunidades para a população.
"A agricultura precisa de mobilização, de ação concreta. Não podemos continuar a depender de ajuda internacional para suprir as necessidades alimentares do nosso país. Devemos investir na produção local, na formação dos agricultores e nas infraestruturas adequadas. Cabo Delgado, por exemplo, tem um grande potencial agrícola. Nos anos 80 e 90, era um dos maiores celeiros de Moçambique. Mas o que aconteceu? O que está a falhar agora? Com tecnologia e maquinário adequados, a produção pode ser revitalizada e contribuir para a economia local e nacional", concluiu Gafuro, ressaltando a importância da agricultura como uma alavanca para o crescimento econômico.
O acadêmico também fez uma crítica ao abandono do setor pesqueiro, apontando que, apesar de ser uma atividade essencial para a economia de Cabo Delgado, os pescadores ainda enfrentam grandes desafios. Segundo Gafuro, o apoio estatal deve ser intensificado para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento dessa atividade.
"Os pescadores de Cabo Delgado precisam ser organizados em cooperativas para que possam comprar equipamentos adequados, como frigoríficos e barcos. Atualmente, sem esse apoio, a produção de pescado está longe de atingir seu potencial. O governo precisa criar um ambiente propício para que esses trabalhadores possam prosperar", afirmou, destacando a necessidade de mais apoio e organização no setor pesqueiro.
Outro académico, que preferiu não ser identificado, referiu que, apesar das promessas de mudança, os 100 dias de governança de Daniel Chapo foram, até agora, marcados por um foco em diálogos políticos que resultaram no fim das manifestações pós-eleitorais. Contudo, o académico alertou que o custo de vida continua a ser um grande problema para a população, especialmente em Cabo Delgado.
"O povo ainda não viu nem sentiu diretamente o alívio do custo de vida, que continua a ser um grande problema para os moçambicanos, particularmente para os de Cabo Delgado. É preciso fazer um trabalho árduo, senão a situação, em vez de melhorar, vai piorar", alertou o académico.
A avaliação dos académicos sobre os primeiros 100 dias de governação do Presidente Daniel Chapo aponta para uma gestão marcada por desafios contínuos nas áreas de segurança, crise humanitária e desenvolvimento económico. Muitos especialistas expressam uma grande expectativa de que, nos próximos meses, o governo consiga implementar políticas mais eficazes para enfrentar as necessidades urgentes da província de Cabo Delgado e da população moçambicana. (x)
Por: António Bote
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