“Nós retiramos o cartão (de jornalista) e essa coisa de expatriamento não é connosco”, Emília Moiane directora do Gabinente de Informação de Moçambique (GABINFO)
Tom Bowker, editor britânico do website Zitamar News, deve abandonar o país, até amanhã, sexta-feira, de acordo com uma determinação do Serviço Nacional de Migração (SENAMI), entidade adstrita ao Ministério do Interior, que neste segundo consulado de Filipe Nyusi está sob a batuta de Amade Miquidade.
O expatriamento de Tom Bowker, cujo website é acessível por assinaturas maioritariamente de elites políticas e económicas, é o mais recente duro golpe contra a liberdade de imprensa.
O Zitamar News cobria de forma impar o roteiro dos danos da guerra em curso em Cabo Delgado e expunha os negócios e as ligações das gentes do poder para além de monitorar os concursos públicos.
O Ponto por Ponto (PpP) apurou que, no início de Dezembro passado, Tow Bowker foi convocado pelo Gabinfo para exlicar em que condições de “jornalista” ele estava a operar em Moçambique.
Alegadamente Bowker tinha a licença de jornalista como correspondente do Zitamar que estaria registado no Reino Unido e isso o jornalista não estava a conseguir provar, daí que a entidade que trata do registo de jornalistas acreditados no país tomou a decisão de revogar a licença.
O GABINFO está sob tutela do Gabinete do primeiro-ministro desde os tempos da aurora da democracia multipartidária e funciona no edificio que funcionou como Ministerio da Informacao durante a vigencia do monopartidarismo..
O PpP falou ontem (esta quarta-feira), com Mendes Mutenda, Director Nacional no Gabinfo para a área de Comunicação, que disse que a sua instituição requisitou ao jornalista documentos que compravam a existência do Zitamar.
“Quando alguém solicita os documentos são analisados. Faltava o documento que dizia que o Zitamar existe e ele não apresentou até agora”.
Quanto ao papel do Gabinfo, na expatriação do britânico, Mutenda disse peremptoriamente que “isso eu já não sei”.
O PpP queria saber se depois do GABINFO caçar a Licença de Tom, teria informado ao MINT sobre o facto. “Isso não sei dizer”, rematou Mutenda.
Zitamar, uma publicação restrita e incomóda
Tom Bowker chegou ao país há quase uma decáda, depois de ter servido como correspondente, em Johanesburgo, África do Sul, da agência de Notícias “Bloomberg”. Olhou para o mercado de notícias em ingles e com o Zitamar News se tornou numa referência ao tratar com domínio o dossier das “dívidas ocultas”. Governantes, embaixadas, ONGs nacionais e estrangeiras, entre outras entidades, passaram a acompanhar com afinco o website que cobra(va) a quem tivesse interesse de saber o que se passa pais a dentro. Com uma rede de jornalistas dispostos por Cabo Delgado, a sua cobertura a guerra se tornou incómoda para gente do poder.
Em Dezembro, Egídio Vaz, o historiador e defensor inveterado do Presidente da República depois da sua vitória contra os famigerados G40, escreveu na sua conta no facebook e passamos a citar:
“Vai para casa. Tom vai para casa. Esse não é teu país. Porque insistes em ficar num país só para ganhares vendendo mentiras e miséria? Vai a tua terra, lá onde há tudo de bom. Trabalha lá. Não é bom assim?”.
O post de Egídio Vaz é posterior as exigências que o Gabinfo estava a fazer a Tom Bokwer e é revelador de que o historiador estava na posse dessa informação, a ponto de dedicar-lhe umas linhas.
Bowker está de malas aviadas para sair do país, até amanhã e isso na sequência da cobertura do terrorismo de Cabo Delgado, baseando-se em fontes locais. O seu cartão que o identificava como jornalista foi inclusivamente revogado, sem qualquer espaço para possível negociação.
Em contacto com o PpP, Emília Moiane, a directora do Gabinfo e chefe directa de Mutenda disse que “nós retiramos o cartão (de jornalista) e essa coisa de expatriamento não é connosco”. Emília Moiane é jornalista da Televisão de Moçambique (TVM) e se encontra no Gabinfo em comissão de Serviço. O PpP também falou com o jornalista que nos disse “estou a arrumar as minhas coisas. Até sexta-feira tenho que cumprir a ordem de abandonar o país que amo muito”.
Liberdade de imprensa em Moçambique
Moçambique está entre os países lusófonos com piores níveis de liberdade de imprensa. A primeira Constituição multipartidária de 1990 consagra a liberdade de imprensa e o direito à informação. No entanto, os ataques a jornalistas, a falta de recursos e a autocensura completam um quadro cada vez mais sombrio para a situação dos media em Moçambique. No início de 2019, o jornalista Amade Abubacar foi detido sem direito a julgamento. Foi maltratado, mantido incomunicável e foi privado dos seus direitos em quase quatro meses de prisão preventiva, segundo relatos do Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA Moçambique). O repórter foi preso por entrevistar famílias que fugiam da violência de rebeldes que têm operado no Norte de Moçambique desde 2017. Segundo a Repórteres sem Fronteiras (RSF), as autoridades têm feito tudo para impedir a cobertura sobre os militantes armados que estão a operar no Norte e Centro do país. Para o MISA-Moçambique, os casos de violação da liberdade de imprensa e de expressão em Moçambique aumentaram 80% nos últimos anos devido "à conjuntura político-militar que o país está a viver". O Jornalista Ibraimo Mbaruco está desaparecido há nove meses em Cabo Delgado. A redação do Jornal Canal de Moçambique foi incendiada. Assim vai a fotografia do pais no concerto das nações civilizadas.(Artigo originalmente publicado no semanario Ponto por Ponto que se edita em Maputo).(x) Fonte: Moz24