Batalhões de infantaria, unidades de forças especiais, helicópteros, drones, são algumas das sugestões da missão da SADC para combater os insurgentes em Cabo Delgado. ONG diz que falta uma coisa: diálogo com a população.
A missão técnica de avaliação da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) propõe o envio de quase 3.000 militares para ajudar Moçambique a combater os terroristas na província nortenha de Cabo Delgado.
A missão sugere o destacamento de três batalhões de infantaria ligeira, duas unidades de forças especiais e uma equipa de comunicações. Além disso, prevê também o envio de vários meios: dois navios-patrulha, um submarino, um avião de vigilância marítima, seis helicópteros, dois drones e quatro aviões de transporte.
No relatório da missão técnica, divulgado esta terça-feira (27.04), há apenas uma breve menção à necessidade "prioritária" de assistir as centenas de milhares de deslocados moçambicanos, obrigados a fugir da violência em Cabo Delgado.
Para o Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), esta é uma visão demasiado "militarista". Pouco depois da divulgação do relatório da missão técnica, a organização não-governamental moçambicana escreveu no seu site que a SADC "fez uma análise pobre e recomendações inapropriadas".
Em entrevista à DW África, Adriano Nuvunga, diretor do CDD, apela ao diálogo com a população.
DW África: Que avaliação faz desta proposta?
Adriano Nuvunga (AN): Parece-nos que esta missão se deixou ficar pelas conversas aqui de Maputo. Não compreendemos como é que ficam pela visão militarista numa altura em que estamos a dizer que o diálogo é uma forma de resolver o problema. Pela maneira como é apresentado, não nos parece que [o relatório] resulta de uma compreensão profunda da complexidade do assunto. E isso compreende-se, porque não fizeram consultas, ficaram apenas nos gabinetes da Defesa, à porta fechada. Não estamos satisfeitos com este trabalho.
DW África: Que vozes deveria ter consultado a SADC? Entidades independentes? Organizações como a sua, por exemplo?
AN: Organizações da sociedade civil independentes, que fazem trabalho nesta área. É inaceitável que a SADC faça um relatório sem ouvir as pessoas. A SADC diz que é uma comunidade, mas uma comunidade não é daqueles que governam – uma comunidade pressupõe ouvir também as sociedades dos países, e não nos parece que tenha sido o caso aqui. E há também as lideranças em Cabo Delgado, o setor económico, privado e doméstico, e as comunidades [que também não foram ouvidos].
DW África: Houve algum conteúdo no relatório que o tenha surpreendido? O relatório fala que estão envolvidos nos crimes em Cabo Delgado traficantes de droga, de pedras preciosas e madeira...
AN: As informações não nos surpreendem. Parecem mais lugares-comuns.
DW África: Moçambique e outros países-membros da SADC deveriam aceitar esta proposta, tal como foi feita pela missão de avaliação técnica?
AN: Não me parece. A recomendação é inadequada, porque a alternativa que se apresenta lá dentro é uma versão suave da militarização. Não apresenta outras propostas, incluindo o diálogo, e é isso que nos parece que está a faltar em Moçambique neste momento.
DW África: A CPLP também está a estudar formas de resolução do problema de Cabo Delgado. Que organização lhe parece mais competente? Ou será que as duas se podem complementar?
AN: Acho que se podem complementar. A CPLP tem as suas valências, fala português... Moçambique está aqui nesta região mas, juntamente com Angola, é dos poucos que falam português. A SADC tem o Zimbabué, a Tanzânia e a África do Sul, com os quais Moçambique tem relações históricas... Acho que se podem complementar. Mas, para serem úteis, precisam de dialogar com a sociedade moçambicana.