Camponeses e oleiros invadiram mina de carvão da Vale Moçambique em Tete, na semana passada, alegando que a empresa ocupou indevidamente uma das secções. Ativista apela à intervenção do governo para resolver o diferendo.
Cerca de 800 oleiros do Bairro 1º de Maio, em Moatize, província central de Tete, protestam contra a exploração de carvão por parte da empresa Vale Moçambique. Os populares acusam a empresa de ocupar indevidamente uma das secções da mina de carvão, sem compensações.
No rescaldo do bloqueio às atividades da Vale que os moradores fizeram na semana passada, várias pessoas foram detidas, revelou em entrevista à DW África o ativista social Júlio Caleng.
Caleng, que é também jurista da Liga dos Direitos Humanos em Tete, diz que nenhuma das partes quer ceder e, por isso, o caso deverá seguir para a justiça. O ativista apela à intervenção do governo provincial para resolver o diferendo.
DW África: O que estaria na origem das sucessivas violações dos direitos das comunidades por parte da Vale Moçambique?
Júlio Caleng (JC): O grito de socorro das comunidades tem a ver com as compensações. O que acontece é que essas empresas mineiras – neste momento podemos falar da Vale – de tempos em tempos expandem as suas atividades, onde o carvão deve ser extraído. O que tem vindo a falhar é uma compensação justa, transparente. Penso que este é que é o maior problema. Agora, de quem é a culpa? Evidentemente é das pessoas que estão à frente. O que devia acontecer era ressarcir as comunidades, compensar aquelas pessoas que já estão lá, sem problema nenhum e de forma transparente.
DW África: Mas no caso concreto da empresa Vale, o que é que está a acontecer?
JC: O que posso dizer neste momento é que a Vale quer entrar numa zona nova para continuar a extrair o carvão. E já estão lá, já estiveram lá a instalar os oleiros. É a partir daí que esta confusão surge. A Vale diz, através de um memorando de entendimento, já compensamos. Mas os oleiros dizem que não, que só compensaram noutro sítio. Então, aqui há uma manobra dilatória, uma manobra de fuga de responsabilidade. E isto cansou os beneficiários, cansou os oleiros e "a coisa rebentou", por assim dizer.
DW África: Na semana passada, é verdade que a própria população do Bairro 1º de Maio invadiu uma das secções da mina de carvão para impedir os trabalhos?
JC: Esta é uma das formas quea comunidade encontrou, de agir de uma forma violenta, e isso não é bom. Mas esta forma de agir é porque não estão a encontrar respostas pacíficas. Os oleiros já bateram à porta dos nossos escritórios e nós até entramos na onda de pacificidade, no sentido de encontrar uma forma pacífica de resolução de conflitos. Fizemos uma interpelação extrajudicial para alertar a empresa, com o conhecimento do Governo, sobre este fenómeno. Não tivemos resposta e também não podíamos fazer mais nada. A comunidade ficou com alguma esperança, tiveram até uma mesa de negociação, mas deu errado e, por desespero, a comunidade agiu como agiu. A Polícia de Intervenção Rápida também agiu, houve mesmo uma agitação aqui. E neste momento temos pessoas que estão detidas desde a entrada na mina como forma de repúdio.
DW África: A que se deve esta aparente apatia do governo provincial e Governo central?
JC: A liderança atual, por acaso, encontrou algumas coisas jámal feitas, mal resolvidas, e isto afeta as pessoas que estão no Governo do dia. Para além do incumprimento legal, há esta fragilidade, essa fraqueza de quem está a dirigir e às vezes nós sentimos um lamentar, um desespero de quem está na frente, como quem diz é um assunto de barbas brancas, nunca acaba.
DW África: Mas agora qual é a situação? A Vale vai continuar a explorar a zona ou vai abandoná-la?
JC: A Vale evidentemente vai ter de ceder. Eu penso que a comunidade também não está disposta a ceder, porque está no seu direito. Estamos numa situação de intranquilidade e não há melhor identidade para resolver isto se não o Governo. O que está a acontecer é que a Vale acha que compensou e as comunidades dizem que não foram compensadas. Cerca de 800 oleiros não são capazes de dizer que não foram compensados quando foram. É bom que se faça negócio, mas é preciso aproveitar o negócio em prol dos direitos humanos, para que a comunidade possa olhar as mineradoras como um bem, como uma alegria, uma festa, mas infelizmente as comunidades olham para esses recursos como uma maldição. É assim que se tem dito.(x) Fonte: DW