Possível estabelecimento do comando militar da SADC em Maputo gera críticas e debate. Analista enumera aspetos operacionais legítimos da opção. Académico vê de forma céptica participação dos militares sul-africanos.
Apesar de aprovado, a muito custo, o envio de uma missão militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) para Cabo Delgado, as celeumas no seio da organização regional parecem estar só a começar. Por exemplo, o suposto estabelecimento do comando da chamada Força em Estado de Alerta da SADC a partir da confortável capital moçambicana está a ser duramente criticado por diversos setores.
O especialista em resolução de conflitos e políticas públicas Rufino Sitoe faz uma leitura diferente.
"Quando se fala que o comando está em Maputo, fica-nos a impressão de que alguma coisa não está bem, tendo em conta que o teatro das operações fica no outro extremo do país", reconhece.
"Mas obviamente que isto também pode ser visto em dois sentidos: um em que se espera que as forças estejam no terreno a testemunhar e a comandar as operações em Cabo Delgado. Mas a verdade é que, se calhar, por questões logísticas, seja mais conveniente estar em Maputo porque é mais fácil movimentar recursos em Maputo do que em Cabo Delgado, uma vez que o comandante é sul-africano", pondera.
Opção onerosa
O montante a ser disponibilizado para missão, cerca de 12 milhões de euros, é igualmente desdenhado por setores próximos à Presidência moçambicana. E no caso da ala castrense da SADC, liderada por sul-africanos com quem Maputo não tem tido os melhores laços, também é vista como uma opção "onerosa, pois vai forçar viagens frequentes para Cabo Delgado", segundo a ONG Sala da Paz.
Para Rufino Sitoe, "é difícil tirar algum tipo de conclusão agora, porque não se tem detalhes logísticos da operação".
"O comando estar baseado em Maputo não significa que as forças estarão baseadas em Maputo. A capital será um ponto de coordenação. De uma forma ou de outra, sempre haverá necessidade de ter algum grupo a trabalhar em Maputo, pois é um ponto onde está o poder político, as forças e instituições que lidam diretamente com o assunto", avalia.
Clima de desconfiança
Maputo tem estado com o pé atrás em relação ao seu vizinho. Também a recente detenção do chefe das operações internacionais da secreta sul-africana em território moçambicano veio carimbar as crescentes diferenças entre os "países irmãos". E o académico alemão residente na África do Sul André Thomashausen enumera mais alguns factos que terão contribuído para que Maputo declinasse silenciosamente a persistente oferta militar sul-africana no norte.
"Na raiz da hesitação de Moçambique em convidar e acolher soldados e unidades sul-africanos em Cabo Delgado tem a ver com a muito má imagem das forças de defesa da África do Sul que realmente conduziram uma missão que só se pode considerar fracassada na República Democrática do Congo - em que os soldados sul-africanos eram conhecidos pela sua violência sexual contra menores e mulheres, pelo seu hábito de tentar roubar e traficar recursos naturais e muito tragicamente pelo muito elevado nível de infeção com HIV que provocou tanta miséria na região da RDC que as forças sul-africanas praticamente ocuparam durante anos. Nunca mais se quiseram retirar, até hoje estão lá", recorda.
Uma presença, embora em missão conjunta, que certamente suscitará o devido acautelamento por parte do Governo moçambicano, sob o risco de inflamar ainda mais a crise em Cabo Delgado.
As denúncias de violações dos direitos humanos por parte do exército nacional já são uma batata quente que Maputo não tem sabido aguentar nas suas mãos.
E a missão da SADC, que devia ter chegado a 15 de julho, ainda não se efetivou e nem tem data porque Maputo afirma que ainda se prepara para a receber.(x) Fonte:DW