O desconhecimento da cultura do país pode levar as tropas estrangeiras a violarem direitos humanos durante o combate aos terroristas em Cabo Delgado. O alerta é da Comissão Nacional dos Direitos Humanos que sugere um código de conduta para evitar desmandos.
O posicionamento da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) acontece numa altura em que começam a chegar ao país as forças estrangeiras para ajudar no combate ao terrorismo em Cabo Delgado que, desde Outubro de 2017, assombra a província do norte do país.
Luís Bitone, presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, aponta as limitações que podem ser impostas pelas línguas, hábitos e costumes que, não sendo do domínio das militares estrangeiros, podem criar desentendimentos entre as partes.
Essas situações, porém, para o dirigente, não podem justificar transgressões e muitos menos minar as liberdades fundamentais das comunidades.
“Todos sabemos que o nosso país é caracterizado por uma riqueza cultural e esse mosaico exige uma ponderação específica durante a actuação das forças de defesa e segurança”, disse Luís Bitone.
Para além de aspectos culturais, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos refere que o fraco domínio do espaço geográfico também pode propiciar o desrespeito pelas liberdades das pessoas, pelo que é necessário acautelar que tal não aconteça.
“Se não houver uma atenção especial sobre esta questão, haverá situações que as forças estrangeiras poderão confundir as bases clandestinas dos insurgentes com as habitações das populações”, avisou Luís Bitone.
Para a Comissão Nacional dos Direitos Humanos, as mulheres e crianças são as mais vulneráveis a possíveis atropelos pelas liberdades da população. A nossa fonte defendeu o seu posicionamento, relembrando alguns desmandos das forças estrangeiras na guerra dos 16 anos.
“Tendo em conta que não temos um tempo determinado para a retirada dessas forças, que, na sua maioria, são homens, prevemos uma relação não sã entre estes e as mulheres e raparigas daquelas comunidades”, referiu-se Bitone.
Perante essa situação, Bitone sugere que o Governo adopte um código de conduta que possa reger e harmonizar a convivência dos homens de defesa e segurança estrangeiros com as populações locais, obejctivo que também passa pela colaboração das forças internas.
“Há que aprender a lição com o passado e para que a história não se repita, é preciso que haja um código de conduta que sirva de guia na actuação das forcas de segurança e evitar, por exemplo, violações sexuais”, vaticinou.
PARTIDOS POLÍTICOS ENTRE O SIM E NÃO SOBRE APOIO MILITAR
Os três partidos políticos com assentos na Assembleia da República, nomeadamente a Frelimo, Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), continuam a divergir sobre a legitimidade com que é conduzido o processo de apoio militar estrangeiro.
A Renamo insiste a considerar que o Presidente da Republica, Filipe Nyusi, está e continua a agir unilateralmente, por não consultar os outros órgãos soberanos sobre o rumo da pacificação da província de Cabo Delgado.
O porta-voz da Renamo, José Manteigas, aponta, por exemplo, que o Chefe do Estado autorizou a entrada de forças estrangeiras do Ruanda, país que não faz parte da Comunidade dos Países da África Austral (SADC) sem consultar a Assembleia da República (AR).
“A chegada das forças estrangeiras está, infelizmente, a ser feita à margem das normas internas do nosso país. Por exemplo, o Presidente da Republica, dos contactos que teve com os governos desses Estados, não obedeceu ao comando constitucional”, disse José Manteigas, criticando ainda a não declaração de guerra, mesmo os factos apontando para tal.
Por sua vez, Renato Mualega, do Movimento Democrático de Moçambique, questiona a transparência sobre os custos financeiros que as operações vão acarretar.
“Por exemplo, nós gostaríamos de saber se a presença dos militares estrangeiros no país vai ou não custar o bolso ao Estado moçambicano”, questiona o segundo maior partido de oposição.
Já a Frelimo, partido no poder, considera a actuação do Presidente da República como sendo legítima, apontando que Filipe Nyusi tem atribuições legais para decidir em prol da segurança do país.
“Não houve violação alguma da Constituição. Quando se repara para a Lei da Política de Defesa e Segurança, vê-se que é responsabilidade do Governo a sua intervenção em questões, particularmente, de terrorismo”.
Os intervenientes falavam, esta quinta-feira, no decurso de uma mesa redonda, subordinada ao tema “Presença Militar Estrangeira: Riscos e Desafios na Protecção dos Direitos Humanos e Espaço Democrático em Cabo Delgado”.(x) Fonte:OPaís