Interrogado no tribunal, o ex-diretor da Inteligência Económica da secreta de Moçambique, considerado peça-chave nas dívidas ocultas, rejeitou contradições apontadas pela acusação e afirmou que a sua prisão é ilegal.
O ex-diretor da Inteligência Económica do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE), António Carlos do Rosário, o último dos 19 arguidos a ser ouvido pelo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo no processo das dívidas ocultas, confirmou esta terça-feira (05.10), que participou em encontros do Comando Conjunto e Comando Operativo que eram coordenados, respetivamente, pelo então ex-ministro da Defesa, Filipe Nyusi, e o antigo Presidente Armando Guebuza.
O réu participou nestes encontros na qualidade de membro de pleno direito que assistia ao ex-diretor-geral do SISE, na altura, Gregório Leão. António Carlos do Rosário confirmou igualmente os dias das reuniões com Nyusi e Guebuza.
O Comando Conjunto e o Comando Operativo foram as unidades das Forças de Defesa e Segurança responsáveis pela criação das três empresas que endividaram Moçambique em mais de 2,2 mil milhões de dólares.
"Mas, quando houvesse outros assuntos, o diretor-geral [Gregório Leão] era livre de se fazer acompanhar por outros quadros. Nós éramos daqueles que sabíamos que todas as segundas e quintas-feiras tínhamos que estar reunidos com o ministro da Defesa no Comando Operativo e às segundas-feiras com o coordenador do Comando Operativo íamos ao encontro do comandante-chefe", explicou o réu.
António Carlos do Rosário, detido desde 2017, foi também presidente do conselho de administração das três empresas estatais moçambicanas beneficiárias do dinheiro das dívidas ocultas. O Ministério Público acusa-o de ter recebido 7,6 milhões de euros pelo seu papel no projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva e criação das três companhias, que a justiça considera terem sido usadas como ardil para a mobilização dos empréstimos.
O Ministério Público confrontou o réu Rosário com as contradições de datas da constituição da Txopela, empresa criada com dinheiro das dívidas ocultas, e dos seus acionistas: "Portanto, no ato da constituição, tínhamos três acionistas. Segundo o seu advogado, um deles era a IRS e não o que o senhor disse. Disse depois cedeu contas à IRS, que passou a ser acionista maioritário, na altura o seu advogado era o doutor Gani. Pode explicar essa contradição? Está em condições de explicar?"
O antigo diretor da Inteligência Económica do SISE rejeitou qualquer contradição, afirmando que quando o seu advogado submeteu as informações pedidas "já estava na cadeia" e não teve acesso aos documentos, pelo que não pode "precisar".
"Joguinhos"
"Como pode perceber, eu não me posso incriminar, mas incriminei-me, quando afinal não era isso. Eu quero mostrar que não tenho receio de assumir aquilo que são as minhas responsabilidades. Mas peço que antes de começar com esses joguinhos que se diga que há estes documentos aqui", disse António Carlos do Rosário.
Uma postura que não agradou ao juiz Efigénio Batista: "Réu António Carlos do Rosário, réu António Carlos do Rosário, cuidado com as suas palavras. Se começar a ofender o Ministério Público, o tribunal vai mandar sair cópias e se constituir infração disciplinar vai abrir processos crime autónomos contra si. E para além de ser julgado aqui, vai ser julgado aqui mas noutros lugares por outras infrações. Peço que não se repita e não diga que o tribunal está a fazer joguinhos. Modere o seu tom e as suas palavras".
O Ministério Público voltou a insistir na pergunta e explicou ao réu que a empresa IRS, acionista da Txopela, foi criada no Líbano, em fevereiro de 2015. "Como é possível a IRS ser membro acionista fundador da Txopela se a essa data ela não existia juridicamente?", questionou.
O réu respondeu que não sabia, porque nessa altura em que o processo estava a correr, estava preso. "Eu pergunto por que me prenderam? Não me colocaram essas questões quando estava fora, porque me prenderam ilegalmente", questionou. "Podia ajudar a esclarecer essas coisas todas. Agora, estar hoje...eu não consigo explicar. Eu até posso ter dito ao advogado, posso ter dito, mas não falei com base em documentos porque estava no Lingamo [cadeia] fechado ilegalmente há anos porque representava um perigo".
António Carlos do Rosário responde por associação para delinquir, peculato e branqueamento de capitais.(x) Fonte:DW