Analistas em Maputo desconfiam do tribunal que julga o caso das dívidas ocultas, quando afirma que não há indícios de dinheiro de subornos da Privinvest nas contas do atual Presidente de Moçambique e do seu antecessor.
Analistas em Maputo acreditam que o atual Presidente, Filipe Nyusi, e o seu antecessor, Armando Guebuza, receberam dinheiro de subornos da empresa Privinvest. Ouvidos pela DW, pedem uma investigação mais exaustiva, descrevendo vários canais que são usados para obter o dinheiro sem passar por contas bancárias, depois de o juiz que julga o caso das dívidas ocultas, Efigénio Baptista, ter assegurado que não foram encontrados indícios de pagamentos da empresa nas contas de Nyusi e Guebuza.
O jornalista e pesquisador do Centro de Integridade Pública (CIP) Borges Nhamire explica a facilidade com que se processam estas operações: "Há um tal de avião ali que veio com oito toneladas de vinho e muita coisa para a Presidência e muitas pessoas acreditam que essas toneladas de vinho eram toneladas de dólares".
Segundo Nhamire, a Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), que atua como assistente da acusação no processo das dívidas ocultas, "requereu e pediu ao Instituto Nacional da Aviação Civil para se certificar onde é que este avião aterrou em Moçambique, se foi na base aérea ou no aeroporto de Mavalane e os conteúdos que trazia".
A OAM, diz o pesquisador, também pediu, numa das sessões do julgamento da dívidas ocultas em curso, que a Presidência da Republica apresentasse o relatório sobre a referida encomenda: "Esta semana ouvimos o juiz a dizer que tanto a Presidência como o Instituto Nacional da Aviação Civil pediram extensão do período que tinham. Portanto, eles prometem esclarecer o que tinha naquela carga. Eu, como acredito nas instituições do meu país, acho que a Presidência vai ter muito prazer em esclarecer isso e o Instituto Nacional de Aviação vai esclarecer sobre o conteúdo daquela carga, porque há sempre um relatório de embarque sobre o que vem ali".
"Juiz foi infeliz"
A ativista Fátima Mimbire estranha a convicção do juiz Efigénio Batista de que Nyusi e Guebuza não receberam dinheiro da Privinvest, tendo em conta os indícios existentes. "Eles receberam, sim, pelo menos no caso do 'New Man' que foi dito em sede do tribunal de Nova Iorque que se trata do Presidente Filipe Jacinto Nyusi", garante.
"O 'New Man' faz sentido, porque ele estava a ser cogitado como o futuro Presidente de Moçambique. Seria, obviamente, o homem novo e condiz com a situação dele. Portanto, eu acho que o juiz foi infeliz nesta intervenção ao afirmar categoricamente", considera a ativista.
Segundo Fátima Mimbire, o juiz não sabe como é que a investigação foi feita e se foi exaustiva para justificar os seus argumentos, "e nem sabemos se o Ministério Público não omitiu estes detalhes ao tribunal, aliás, questionamo-nos o tempo todo como se explica que tenham sido arroladas neste julgamento apenas algumas pessoas que receberam e outras não".
"A senhora Isaltina Lucas esta lá como tendo recebido e está nítido nos e-mails que foram tornados públicos a partir de Nova Iorque, está nítido que o senhor Inguane também recebeu. Portanto, há tanta gente que recebeu e que está em pleno exercício das suas funções e não esta em tribunal", lamenta.
A ideia do "privilégio"
A economista apela para uma investigação mais exaustiva que possa trazer a verdade, embora desconheça se a lei moçambicana permite investigar estas situações.
"Eu não sou jurista, infelizmente não conheço muito sobre essas coisas. Mas, se nos tivéssemos esse aparato, poderíamos ampliar significativamente a investigação e aí íriamos apanhar essa ideia do privilégio que retira os benefícios, a esperança, as condições de vida da população e acumula riqueza a um grupo sem poder político sem poder económico e sem poder financeiro", afirma.
Também o economista Nuno Castel-Branco acha que tanto Nyusi como Guebuza podem ter recebido dinheiro da Privinvest.
O economista recorda que Armando Guebuza teve muitos negócios com empresas que operam em Moçambique: "Muitas destas coisas entraram por privilégio e acesso ao poder, portanto, eu não teria acesso ao negócio da TATA [empresa indiana] se não fosse Presidente da República. Eu não teria negócio de digitalização [empresa chinesa de TV digital] se não fosse Presidente da República e assim por diante. Então, isso é privilégio, isso é utilização do poder pessoal e poder político para benefícios económicos", frisa.
O julgamento prossegue esta quinta-feira (07.10), na tenda da BO, cadeia de máxima segurança, com a audição do réu António Carlos do Rosário.(x) Fonte:DW