Os raptos de crianças em Cabo Delgado para servirem de soldados aos insurgentes preocupam a comunidade internacional. Mas as capturas têm caído devido à presença crescente das tropas governamentais e estrangeiras.
O número de crianças e adolescentes raptados e treinados para serem combatentes em Cabo Delgado tem vindo a diminuir. Em 2020, segundo a organização não governamental Save the Children, foram raptadas 51 crianças. Os registos anuais de 2021 ainda não estão completos, mas a organização confirma a redução.
João Feijó, investigador do Observatório do Meio Rural, explica que o decréscimo está diretamente relacionado à reconquista pelas tropas do Governo e internacionais de áreas que estavam ocupadas pelos insurgentes.
Segundo o pesquisador, durante os três anos e meio do conflito, "o Governo não conseguiu garantir a segurança das pessoas no terreno”, o que fez com que a presença dos insurgentes aumentasse e "o número de mulheres e crianças raptadas crescesse”. Esclarece que foi a intervenção das forças ruandesas e da SADC que fez o número decrescer.
O recrutamento de crianças tem sido uma constante desde o início do conflito em 2017. Estima-se que milhares de menores estejam sob a tutela dos insurgentes.
Modus operandi
Por via de regra, quando os insurgentes chegam a uma aldeia, matam os homens, especialmente se estiverem vinculados ao Governo. As mulheres e crianças são arrancadas de suas casas e levadas para a base dos rebeldes.
As mulheres, sendo adultas ou adolescentes, normalmente tornam-se escravas. Tal como os adolescentes, são ensinadas à luz do Alcorão.
Os jovens passam por uma triagem para verificar se têm condição física para combater. Os que estão doentes são tratados com medicamentos roubados ou por curandeiros, explica Feijó.
O pesquisador esclarece que existe "uma preocupação de [os insurgentes] procurarem seduzi-las [pessoas raptadas] no sentido de elas aderirem ao grupo”. Isso é feito através desse cuidado físico, mas também da doutrinação moral e religiosa.
Crianças prolongam o conflito
Os meninos, além das aulas de religião, têm treinos militares, nos quais simulam c ombates até serem lançados para a primeira missão.
Feijó explica que a tática do uso de crianças-soldado em guerras de guerrilha é comum pois essas "são mais facilmente doutrinadas, são mais corajosas, não têm medo da morte, e são capazes de fazer os atos mais bárbaros e assassínios mais violentos, causando terror ao inimigo”.
O pesquisador esclarece que a recruta de menores prolonga o conflito, porque os jovens são radicalizados de tal forma que recusam negociar ou render-se. "Quanto mais aumenta a violência militar de um lado, mais violenta será a resposta do outro lado. Mais radicalizam as posições. E mais se reproduz um ciclo vicioso de violência”, completa.
O uso de crianças-soldado não é novidade na história de Moçambique. No passado, a RENAMO, hoje o maior partido político na oposição, e a FRELIMO, no Governo, utilizaram essa tática.
Desconhece-se o número exato de menores raptados no conflito em Cabo Delgado. Uma das razões é que as ONGs têm dificuldade em atender as denúncias feitas nas línguas locais, o que a Save the Children espera reverter em breve com a abertura de um escritório na região.(x) Fonte:DW