Organizações da sociedade civil em Cabo Delgado denunciaram ao Ministério Público abusos e violações cometidas contra as vítimas do terrorismo no norte de Moçambique. Pediram também a responsabilização dos infratores.
Num encontro com integrantes e organizações da sociedade civil em Pemba, na segunda-feira (25.10), a procuradora-geral adjunta, Glória da Conceição Adamo, prometeu investigar as denúncias de maus-tratos contra as vítimas do terrorismo em Cabo Delgado.
Entre as irregularidades apresentadas pela sociedade civil ao Ministério Público constam o alegado desvio de ajuda humanitária, corrupção para a obtenção de donativos e para o tratamento de documentos de identificação dos deslocados, vítimas do extremismo violento.
"Há distribuição dos famosos cheques, o ‘voucher' de comida, em várias partes da província de Cabo Delgado. Neste momento o que tem acontecido é que este cheque não chega [aos reais destinatários, os deslocados] e é vendido pelas entidades que gerem" as ajudas, conta o ativista Vasco Acha.
"As pessoas que deviam dar ajuda desencaminham aquele pouco valor que devia chegar aos deslocados", denuncia.
Denúncias contra as Forças de Defesa e Segurança
Alegadas violações contra deslocados indocumentados protagonizadas pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS) também foram denunciadas ao Ministério Público. "Muitos cidadãos queixam-se de serem aproveitados pela polícia, agredidos, outros queixam-se de violência, inclusive sexual", especifica Emerson Ubisse, do Conselho Cristão de Moçambique.
"São várias reclamações das populações que é preciso levar a sério, como sociedade civil, como Governo, e isso vai manchar a relação entre as FDS e a comunidade, que neste momento é extremamente importante fortalecer nessa nossa batalha de localizar e estancar os grupos terroristas", defende o ativista.
Segundo Marta Quicuco, vice-presidente do Fórum das Organizações da Sociedade Civil de Cabo Delgado (FOCADE), as unidades da Direção de Identificação Civil (DIC) nos distritos terão perdido documentos dos deslocados.(x) Fonte:DW
"E quando se vai ao Registo, há solicitação de uma certidão narrativa, e essa certidão eles [as vítimas do terrorismo] não têm onde obter. Em contrapartida, a polícia não consegue ver quem é deslocado e quem não é", sublinha Marta Quicuco.
"Se a polícia pergunta por documentos e o deslocado não tem, por mais que justifique que é deslocado, eles não tomam em conta. Levam para as esquadras, às vezes chamboqueiam porque não têm documentos", relata a ativista.
PGR "muito preocupada"
A procuradora-geral adjunta manifestou-se preocupada com as queixas. Defendeu a necessidade de auditoria às organizações que trabalham na distribuição de ajuda humanitária e prometeu investigar e responsabilizar os envolvidos no desvio de donativos.
"Eu fico muito preocupada com a questão da venda dos cheques e estive a trocar mensagens com o procurador-chefe para que encontremos uma solução, porque isto é matéria criminal", disse Glória da Conceição Adamo.
Em reação às denúncias de abusos supostamente cometidos pelas FDS contra os deslocados, a representante do Ministério Público pediu que haja celeridade no seu encaminhamento à Procuradoria quando ainda é possível a obtenção das provas do crime.
"Por causa do tempo, os vestígios apagam-se, as provas apagam-se, as pessoas desaparecem. Estamos a falar das Forças de Defesa e Segurança e são pessoas de muita mobilidade", lembrou.
"Notei que há uma situação muito gritante de violência doméstica, violação contra os jovens, protagonizada pelas FDS, não sabemos de que parte, mas o certo é que estão identificados dessa forma. São situações gritantes que devem ser debeladas de imediato", frisou ainda a procuradora-geral adjunta.
Por sua vez, a sociedade civil sugeriu o reforço da preparação das FDS em matéria de direitos humanos como uma das formas de pôr fim às violações contra as vítimas do terrorismo.
"A nossa polícia, os nossos militares, devem saber lidar com essas pessoas. São pessoas que já estão traumatizadas e acabam ficando mais traumatizadas", destaca Marta Quicuco.
Segundo a vice-presidente da FOCADE, é preciso "arranjar mecanismos ou preparar as nossas Forças de Defesa e Segurança para que possam saber lidar com essa situação e saber o que são direitos humanos e como respeitá-los.(x) Fonte: DW