Na passada segunda-feira, mais de 26 milhões de eleitores sul-africanos foram chamados às urnas no âmbito de eleições autárquicas cujos resultados oficiais acabam de ser divulgados no final desta tarde. De acordo com Comissão de Eleições da África do Sul, pela primeira vez em quase 30 anos no poder, o ANC sofreu uma derrota histórica e obteve resultados abaixo do patamar dos 50% de votos, sendo que a abstenção foi estimada a cerca de 45%.
O partido que está no poder desde o fim do apartheid e a organização das primeiras eleições democráticas na África do Sul, o ANC de Nelson Mandela, acaba de registar o seu pior resultado eleitoral, tendo obtido apenas 46,04% dos votos de acordo com a comissão eleitoral, após 27 anos de maioria absoluta. Nestas eleições, o principal partido de oposição Aliança Democrática (DA), principal partido da oposição, também perdeu pontos passando de quase 27% no anterior escrutínio em 2016 para 21,83%, sendo que os radicais Freedom Fighters (EFF) de Julius Malema estagnaram nos 10%.
Já o Action SA, um novo partido criado em 2020 pelo magnata populista Herman Mashaba, que tinha vencido as autárquicas de 2016 em Joanesburgo então sob a bandeira da Aliança Democrática obteve resultados rondando 2,6% dos votos. De origens humildes, o empresário nascido em 1959 no township de Soweto, cujo partido defende o empreendedorismo, a justiça social, a luta contra a corrupção e a imigração ilegal, encontra um franco sucesso junto dos eleitores do seu município de origem, onde se estima que tenha recolhido mais de 20% dos votos.
Ao analisar os resultados do escrutínio, André Thomashausen, professor emérito de Direito Internacional na Universidade da África do Sul (UNISA) em Pretória, começa por constatar que "o ANC, ao nível nacional como em praticamente todos os municípios com muito poucas excepções, caiu abaixo dos 50%. Portanto perdeu a sua maioria absoluta", o que para o universitário "é histórico porque o ANC tinha sempre aquele sentimento um bocado arrogante. Jacob Zuma uma vez disse que o ANC se iria manter sozinho no poder até ao dia em que Jesus Cristo iria voltar à terra". André Thomashausen nota por outro lado que "houve uma estagnação do grande partido de oposição da Aliança Democrática, que baixou um bocado", sendo que a seu ver há "a grande surpresa, o Macron da África do Sul, Herman Mashaba".
De referir que o ANC no poder, tem conhecido dificuldades de toda a ordem nos últimos tempos. Os escândalos de corrupção envolvendo os seus dirigentes e nomeadamente o antigo presidente Jacob Zuma (2009-2018) mancharam a imagem do partido que, por outro lado, tem enfrentado a desilusão popular num país onde os cortes de água e electricidade fazem parte do quotidiano, onde a criminalidade é galopante e onde o desemprego atinge o nível recorde de mais de 34%.
A tensão chegou ao rubro no passado mês de Julho com pilhagens em Joanesburgo e na província do Kwazulu-Natal (leste), em que morreram mais de 350 pessoas. O mal-estar económico e social vigente há vários anos no país Arco-Iris foi agravado pela crise provocada pela pandemia que ceifou mais de 89 mil vidas naquele país.(x) Fonte:RFI