A situação na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, "continua muito delicada" e sem perspetivas de resolução, consideraram hoje os participantes numa videoconferência realizada por seis organizações não-governamentais portuguesas.
A iniciativa, da Cáritas Portuguesa, Centro Missionário Arquidiocesano de Braga, Comissão Nacional Justiça e Paz, Fundação Fé e Cooperação (FEC), Fundação Gonçalo da Silveira (FGS) e Rosto Solidário, denominada "Cabo Delgado: Prioridade às Pessoas", visou debater a "trágica situação humanitária" naquela região, na sequência do conflito armado em curso naquela região desde outubro de 2017.
A atuação de grupos armados em Cabo Delgado teve como resultado mais de 3.100 mortos, 800 mil deslocados internos, dos quais 27% são mulheres e 52% são crianças, segundo a Organização Internacional para as Migrações.
"Apesar da fuga e do apoio, estas populações vivem em situação de grande precariedade e vulnerabilidade uma vez que a ajuda humanitária continua a ser insuficiente para a dimensão da catástrofe", destacaram as seis entidades promotoras da videoconferência no comunicado de lançamento do encontro.
Para António Juliasse, administrador apostólico da diocese de Pemba, o "futuro até há pouco tempo pareceu ganhar outras cores, agora com o alastramento dos ataques à província [vizinha] de Niassa a situação fica muito complicada".
"A província de Cabo Delgado continua com o mesmo quadro. A insegurança ainda é grande apesar da presença de militares estrangeiros", prosseguiu António Juliasse, referindo-se ao contingente de tropas ruandesas que corresponderam ao pedido do Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, para ajudar a combater os grupos armados.
Zenaida Machado, investigadora da Human Rights Watch, disse não acreditar que Moçambique possa resolver o problema criado pelos grupos armados.
"É um país muito pobre, com grande falta de segurança e falta a proteção do Estado, que já eram problemas antes deste conflito começar", considerou.
Para Zenaida Machado, são quatro os "pilares das dificuldades" de Cabo Delgado: "Há necessidade de restauração da segurança e garantir que o problema não se alastre a outras áreas do país" e "garantir o apoio aos deslocados, a quem falta tudo e mais alguma coisa, designadamente comida, medicamentos, educação condigna, registo dos deslocados que perderam os bilhetes de identidade e trabalho".
Os restantes dois "pilares" são "a recuperação das pessoas onde já há segurança e protegê-las com menos propaganda [do lado do Governo moçambicano]" e "assegurar a justiça, investigação e reconciliação".
"O Estado já devia ter iniciado uma investigação e não alimentar um discurso contra os insurgentes, que têm de perceber que os seus atos implicam uma responsabilização pelos crimes que cometeram", salientou.
"E depois há a necessidade da reconciliação, que deve refletir a voz das mulheres, que juntamente com as crianças, são as maiores vítimas do conflito", acrescentou.
Para a Ivone Soares, deputada da RENAMO, maior partido da oposição moçambicana, a província de Cabo Delgado "sempre ficou para trás nas prioridades" do Governo central em Maputo.
"É a província que teve também menos apoios da sociedade civil moçambicana, que fizessem as pessoas de Cabo Delgado sentir que fazem parte de Moçambique", acusou.
Quanto à intervenção ruandesa, Ivone Soares sublinhou que ela partiu do Presidente da república: "O parlamento não foi tido nem achado".
"Ainda não sinto que a prioridade sejam as pessoas (de Cabo Delgado). O enfoque que está a ser dado é proteção dos grandes investimentos, dos negócios dos donos do dinheiro", voltou a acusar, destacando que a província é "riquíssima" em petróleo e gás, rubis, fauna e flora.
Ivone Soares disse ainda estar com muita expetativa relativamente à intervenção que Filipe Nyusi tem agendada para 5.ª feira na Assembleia da República (Parlamento): "Espero que seja uma mensagem de esperança aos moçambicanos".
A eurodeputada portuguesa Isabel Santos, que esteve em junho em Cabo Delgado, integrada numa delegação do Parlamento Europeu, acompanhada de outros representantes de partidos portugueses, passou em revista os apoios que a União Europeia tem garantido a Moçambique, e reconheceu que "o poder da UE em Moçambique é o da persuasão e convencimento".
Questionada sobre as dificuldades que algumas organizações humanitárias sentem na obtenção de vistos de entrada no país, Isabel Santos disse ter abordado a questão em junho e acrescentou que a explicação recebida se relaciona com as contingências ditadas perla pandemia de covid-19.
"A situação é de facto muito preocupante", vincou, considerando que os problemas de Cabo Delgado apenas podem começar a ser resolvidos "se se enfrentarem os problemas que estão na raiz" do conflito.
Isabel Santos destacou ainda a intervenção das agências humanitárias: "Se não houvesse apoio das organizações humanitárias seria catastrófico".
Para enfrentar a situação em Cabo Delgado, a eurodeputada avançou três vias: garantir a segurança, distribuição de alimentos e "pensar no futuro".
"Jogam-se interesses estranhos aos interesses da população, que não é chamada a pronunciar-se", adiantou.(x) Fonte:NMinuto