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sábado, 18 dezembro 2021 13:48

Cabo Delgado: "Há uma relutância em partilhar inteligência militar"

"Ruanda e SAMIM não confiam nas forças moçambicanas por causa do vazamento de informações", diz especialista em contra-insurgência. Opperman alerta: Isso compromete perseguição dos insurgentes já em expansão no país.

Com a chegada à província de Cabo Delgado de forças externas, do Ruanda e da SADC, para ajudarem o Exército local a combater a insurgência, repetem-se os anúncios de vitória no palco de guerra. Para além de repelirem os insurgentes, recuperaram as áreas tomadas e algumas já começam a ser repovoadas.

Porém, a resposta dos insurgentes começa a chegar de outros lugares, como da província do Niassa, por exemplo. Assassinatos, raptos e destruição já são uma realidade na província vizinha de Cabo Delgado. E há até casos de aldeias de Cabo Delgado que estão a ser novamente alvo de ataques. A nova faceta da guerra já era esperada, para a especialista em contraterrorismo, Jasmine Opperman

Opperman defende que "a sustentabilidade em contra-insurgência é central para o sucesso [da guerra]", mas alerta para um problema: a falta de confiança em matéria de inteligência militar entre as forças militares conjuntas.

A DW conversou com ela sobre os desafios que se impõem agora para as forças conjuntas.

DW África: O alastramento da insurgência para o Niassa e outras províncias prova que a insurgência está longe do fim?

Jasmine Opperman (JO): A luta contra a insurgência falhou logo do começo. Se olharmos para a ocupação de Mocímboa da Praia, o treino que tiveram, a liderança que tem e a ligação ao Estado Islâmico (EI), vimos uma situação típica do Afeganistão e do Mali. É extremamente difícil pôr fim a esta violência tão intrincada. Qual é o objetivo final de Maputo? É livrar-se da insurgência ou garantir apenas um corredor militar para o gás (LNG)? Isso levanta uma questão séria. Segundo, há um choque de titãs, temos uma séria competição de interesses, com a França a apoiar o Ruanda, sem sombra de dúvidas, até financeiramente, para proteger Palma e Mocímboa da Praia. Há uma grande área extremamente difícil de cobrir e os terroristas estão agora a dirigir-se para o Niassa, e esta província oferece as condições ideais para a insurgência: poucas infraestruturas, comida, água, e há dois anos é um centro de recrutamento. Esta expansão já era esperada e isso não me surpreende nada, era previsível. Então, a insurgência está longe do fim. Abordar as causas de que todos falam e uma solução vai levar gerações. Temos de ter paciência para lidar com isso a longo prazo.

A Total expressou o seu desejo de que haja condições para que a exploração do gás continue por causa de interesses económicos, e a ENI está a pressionar, o que é compreensível. Só não acho que o tempo esteja do lado deles. O tempo está do lado dos insurgentes. E não veremos o fim disto nos próximos cinco anos. A insurgência está à espera, usam a parte interna para se movimentarem e atacarem em pequena ou grande escala. Estão a avançar, estão a espalhar-se geograficamente tornando a situação extremamente difícil. E, enquanto as contra-forças quiserem permanecer nas estradas principais, os insurgentes estão a sorrir.

DW África: Quais são os maiores desafios para o Exército numa altura em que os insurgentes expandem os seus ataques?

JO: O desafio está nas forças estrangeiras, que são várias. O Ruanda e o SAMIM (Missão Militar da África Austral em Moçambique) não confiam nas forças moçambicanas por causa do vazamento de informações, por causa da insurgência e das capacidades. O treinamento só tem efeitos a longo prazo, o treino de marinheiros não está integrado numa capacidade holística de contra-insurgência. Estamos a ver que, com o problema de confiança e depois de partilha de inteligência, há uma relutância em partilhar a inteligência, o que torna difícil continuar o trabalho de perseguição dos insurgentes, porque não se sabe com o que estão a lidar. Mas, se formos ao Niassa, vamos nos deparar com a insurgência de que estamos à procura. E isso cria confusão e sérios constrangimentos. Um simples exemplo é o que está a acontecer agora no Niassa vs. Macomia, os ataques, mas simultaneamente temos insurgentes em Palma e Mocímboa da Praia. A área é tão vasta que eu tenho sérias reservas em relação aos suprimentos logísticos, a inteligência e a estratégia integrada e disponível para sustentar tais operações. E a sustentabilidade em contra-insurgência é central para o sucesso.

DW África: Os insurgentes estão a regressar para algumas áreas em Cabo Delgado. É um sinal de reorganização para enfrentar as forças conjuntas no terreno?

JO: A insurgência não pode resistir à capacidade de guerra convencional, e é por isso que é fácil para o Ruanda se mover e reivindicar Palma e Mocímboa da Praia e tentar garantir a segurança da Bacia do Rovuma. Isso já está claro para os insurgentes, eles sabem o que realmente estão a fazer. As minhas dúvidas se mantêm em relação aos atos de terrorismo clássico: eles estão a aprender e estão a ajustar-se mais rapidamente que as forças de segurança. E tenho medo que o que previ já aconteceu: quebraram as fronteiras da zona de conflito. O segundo princípio, a expansão das táticas de terrorismo, já foi reportado.

Qual é o próximo passo? Penso que é essa a questão. Não quero especular, apenas acho que as contra-forças precisam muito mais do que a análise operacional; necessitam da capacidade de olhar para os movimentos e não apenas para a incidência. Não podemos rastrear apenas a incidência. É preciso ver como eles serpenteiam através de Cabo Delgado. Mas infelizmente não vejo esta mentalidade pró-ativa, o que mais uma vez levanta questões acerca da inteligência que têm, bem como uma estratégia falhada de servir diferentes interesses, como o Ruanda com a França, a SAMIM serve interesses regionais, Maputo serve interesses oficiais. E assim não conseguem fazer frente à insurgência.(x) Fonte:DW

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