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sábado, 15 janeiro 2022 10:47

Crise em Cabo Delgado:”Os atacantes mataram o meu marido e o meu filho”

Apesar de a violência ter diminuído, o contexto permanece muito volátil no Norte de Moçambique, onde as pessoas mais recentemente deslocadas e em fuga dos ataques se cruzam com quem tenta regressar a casa. Cabo Delgado, a província mais setentrional do país, sofre desde 2012 ataques violentos que forçaram centenas de milhares de pessoas a deslocar-se internamente em busca de segurança. 

O conflito intensificou-se em 2020 e, já em março de 2021, atingiu um pico quando um ataque a Palma transformou a cidade, antes muito concorrida e sede da exploração de liquefação de gás da Total, numa povoação fantasma. 

Nestes últimos meses, os exércitos de Moçambique e de países aliados lançaram ofensivas para recuperar o controlo de zonas e cidades que, agora, se prepararam para o regresso das populações que as tinham abandonado. Estas ofensivas dispersaram os grupos armados.

Embora a violência seja menos generalizada, subsistem ataques frequentes e em diversos pontos, que fazem com que as pessoas continuem a ter de fugir. Longe de terminar, a crise humanitária persiste na região e são centenas de milhares de pessoas que sobrevivem em condições precárias. 

A situação em Cabo Delgado é muito volátil, com movimentos de pessoas que se deslocam em diferentes direções, tanto para fugir da violência como para voltar às suas casas. Isto requer que a resposta humanitária da Médicos Sem Fronteiras (MSF) seja muito reativa, de forma a garantir que as pessoas recebem um minímo de serviços de saúde e humanitários durante a fuga, as deslocações e o regresso.

É estimado que 1,3 milhão de pessoas precisam de assistência humanitária e proteção urgentes, de acordo com dados das Nações Unidas. 

REINSTALAÇÃO EM CONDIÇÕES MUITO PRECÁRIAS 

A assistência humanitária está concentrada em pontos mais estáveis no Sul da província, perto da capital, Pemba. Em áreas vastas no Norte de Cabo Delgado há apenas organizações de ajuda. E em muitas zonas da faixa costeira e do Nordeste da província, o sistema de saúde foi gravemente afetado pelo conflito. 

“Em áreas amplas nos distritos de Mueda, Nangade, Muidumbe e Mocímboa, onde se encontram umas 50 000 pessoas deslocadas, algumas estruturas de saúde foram atacadas e os profissionais médicos partiram”, frisa o coordenador de projeto da MSF em Mueda, Paulo Milanesio. 

A organização médico-humanitária trabalha em Moçambique desde 1984 e, em Cabo Delgado, desde fevereiro de 2019. Atualmente, a MSF desenvolve atividades médicas no distrito de Metuge, perto da capital provincial, Pemba, e também nos distritos de Macomia, Ancuabe, Palma e Mueda – a partir desta última são geridas clínicas móveis regulares em outras zonas como Muidumbe, Nangade e Mocímboa. 

Crise em Cabo Delgado:”Os atacantes mataram o meu marido e o meu filho”

Apesar de a violência ter diminuído, o contexto permanece muito volátil no Norte de Moçambique, onde as pessoas mais recentemente deslocadas e em fuga dos ataques se cruzam com quem tenta regressar a casa. Cabo Delgado, a província mais setentrional do país, sofre desde 2012 ataques violentos que forçaram centenas de milhares de pessoas a deslocar-se internamente em busca de segurança. 

O conflito intensificou-se em 2020 e, já em março de 2021, atingiu um pico quando um ataque a Palma transformou a cidade, antes muito concorrida e sede da exploração de liquefação de gás da Total, numa povoação fantasma. 

Nestes últimos meses, os exércitos de Moçambique e de países aliados lançaram ofensivas para recuperar o controlo de zonas e cidades que, agora, se prepararam para o regresso das populações que as tinham abandonado. Estas ofensivas dispersaram os grupos armados.

Embora a violência seja menos generalizada, subsistem ataques frequentes e em diversos pontos, que fazem com que as pessoas continuem a ter de fugir. Longe de terminar, a crise humanitária persiste na região e são centenas de milhares de pessoas que sobrevivem em condições precárias. 

A situação em Cabo Delgado é muito volátil, com movimentos de pessoas que se deslocam em diferentes direções, tanto para fugir da violência como para voltar às suas casas. Isto requer que a resposta humanitária da Médicos Sem Fronteiras (MSF) seja muito reativa, de forma a garantir que as pessoas recebem um minímo de serviços de saúde e humanitários durante a fuga, as deslocações e o regresso.

É estimado que 1,3 milhão de pessoas precisam de assistência humanitária e proteção urgentes, de acordo com dados das Nações Unidas. 

REINSTALAÇÃO EM CONDIÇÕES MUITO PRECÁRIAS 

A assistência humanitária está concentrada em pontos mais estáveis no Sul da província, perto da capital, Pemba. Em áreas vastas no Norte de Cabo Delgado há apenas organizações de ajuda. E em muitas zonas da faixa costeira e do Nordeste da província, o sistema de saúde foi gravemente afetado pelo conflito. 

“Em áreas amplas nos distritos de Mueda, Nangade, Muidumbe e Mocímboa, onde se encontram umas 50 000 pessoas deslocadas, algumas estruturas de saúde foram atacadas e os profissionais médicos partiram”, frisa o coordenador de projeto da MSF em Mueda, Paulo Milanesio. 

A organização médico-humanitária trabalha em Moçambique desde 1984 e, em Cabo Delgado, desde fevereiro de 2019. Atualmente, a MSF desenvolve atividades médicas no distrito de Metuge, perto da capital provincial, Pemba, e também nos distritos de Macomia, Ancuabe, Palma e Mueda – a partir desta última são geridas clínicas móveis regulares em outras zonas como Muidumbe, Nangade e Mocímboa.

“Abrimos o projeto em Mueda em março passado, para prestar assistência médica e humanitária às pessoas que fugiam do conflito numa fase mais inicial da sua fuga. Nesta vila montanhosa há cerca de 12 000 pessoas deslocadas a viver no local de reinstalação Eduardo Mondlane, que foi criado em abril”, explica Paulo Milanesio. 

Atija Bacar, de 65 anos e oriunda de Mocímboa da Praia, está em Mueda desde abril.

“Parti de lá em março, por causa do conflito. Houve seis dias de violência. Os atacantes mataram o meu marido e o meu filho. Incendiaram muitas casas e destruíram as infraestruturas. [Ao chegar a Mueda] contactámos os líderes locais e inicialmente ficámos numa escola. Depois, as autoridades criaram este sítio de reinstalação que é conhecido agora como Eduardo Mondlane. Quando aqui cheguei, isto era zona de mato. Algumas pessoas boas ajudaram-me a instalar-me. Aqui, toda a gente dorme no chão e os telhados não são fortes – preocupa-me que não resistam à época das chuvas”. 

Neste campo de deslocados internos pelo conflito, “as pessoas dão-se bem umas com as outras, mas quando há distribuições surgem algumas tensões”, conta Atija Bacar. “Graças a um programa de dinheiro administrado por uma organização não-governamental, algumas pessoas conseguiram abrir pequenos negócios: há quem venda açúcar, quem venda peixe seco, cebolas ou outros produtos básicos”, junta. 

MAIS DE UM ANO ESCONDIDAS NO MATO 

Há pessoas que passam meses, algumas mesmo mais de um ano, a viver no mato, em áreas densas e inóspitas. “Chegam aqui num estado deplorável, comiam apenas aquilo que conseguiam encontrar pelo caminho: plantas, vegetais, alguns animais que caçavam. São habitualmente pessoas idosas, que estão desnutridas e com anemia. Se têm alguma doença crónica como tuberculose ou VIH/sida, que é muito prevalente em Moçambique, encontram-se em muito mau estado porque tiveram de interromper o tratamento. Vemos também muitos problemas respiratórios e de hipertensão”, descreve o coordenador de projeto da MSF em Mueda. 

Junto com outras 70 pessoas, Selemane Salimo, passou um ano e três meses no mato, para se refugiar do conflito. Oriundo de Mocímboa, e com 58 anos, recorda que “a vita no mato não era vida, era sofrimento”.

“A única coisa que comíamos era mandioca seca e folhas de mandioca. Os dias eram todos iguais, não havia mais nada. E o nosso maior medo era sermos descobertos e mortos. Agora que estamos aqui sentados o dia todo no campo de reinstalação, em Nanili, os problemas de saúde começam a aparecer.” 

Quase todas as famílias passaram por experiências traumáticas durante este conflito. Presenciaram ou sofreram violência, ou perderam as suas casas. Algumas pessoas também perderam o contacto com familiares. 

“Alguns dos nossos pacientes estão tão fragilizados que nem sequer conseguem olhar nos olhos de outras pessoas. Também encontramos frequentemente crianças órfãs, que viram os pais morrer ou que foram raptadas por grupos armados, e também há pais e mães que não sabem do paradeiro dos filhos”, acrescenta Paulo Milanesio. 

Oriundo de uma povoação do distrito de Quissanga, Samuel Alberto, de 32 anos, não sabe onde está a a mulher.

“A violência alcançou a minha zona em janeiro de 2020. Algumas casas foram incendiadas e escondemo-nos no mato durante algum tempo. Quando as coisas acalmaram, voltámos para casa, mas em setembro os homens armados regressaram. A minha esposa, que estava grávida de oito meses, foi raptada e desde então que não tenho mais notícias dela”, conta.

Samuel Alberto diz que a sua “ideia de paz é estar em harmonia com a comunidade”. “Tenho alguma esperança. A maiora das pessoas quer voltar [para casa], mas não é fácil fazê-lo. É preciso ter dinheiro. E há o risco de nos verem como membro de um grupo armado”, frisa.

À medida que se aproxima a época das chuvas, a percipitação intensa e o risco de ciclones trazem desafios adicionais tanto para as populações deslocadas como para as comunidades anfitriãs, e podem exacerbar a vulnerabilidade das pessoas e as necessidades humanitárias agora existentes. A prevenção é crucial para evitar surtos de doenças transmitidas pela água como a cólera e a malária, que podem atingir picos neste período.(x) Fonte:SIC

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