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sábado, 29 janeiro 2022 08:03

Preço do barril de petróleo chega a níveis nunca atingidos desde 2014

Depósitos de petróleo nas imediações do porto de Luanda, em Angola Depósitos de petróleo nas imediações do porto de Luanda, em Angola

Nos últimos dias, o preço do barril de petróleo tem estado no seu nível mais alto há mais de sete anos, a rondar os 90 Dólares, sob o impulso do aumento da procura, apesar da estagnação da actividade económica induzida pela pandemia. A subida do valor do barril tem sido explicada por especialistas pelo receio de falhas no fornecimento devido à crise russo-ucraniana, mas igualmente às tensões persistentes no Médio Oriente.

Num aspecto mais prático, a produção de um dos principais fornecedores mundiais, o Canadá, tem sido paralisada devido à onda de frio particularmente forte que o país tem atravessado. Por outro lado, a produção dos 13 países da OPEP, assim como a dos restantes países fornecedores, como a Rússia, não tem conseguido acompanhar a procura apesar de estes últimos terem estabelecido no início deste mês um ligeiro aumento da produção a partir de Fevereiro, com um total de 400 mil barris suplementares por dia.

As consequências económicas da pandemia têm o seu papel nesta situação, mas antes disso, a diminuição do preço do barril, sensivelmente desde 2014, levou as companhias a reduzir os investimentos na prospecção, exploração e manutenção que são necessários para manter os níveis de extracção.

Relativamente ao caso de Angola, com uma produção média de 1,11 milhão de barris por dia nestes últimos meses, o país tem estado desde Setembro de 2020 abaixo da quota de produção que lhe é atribuída pela OPEP que é de 1, 33 milhão de barris por dia. Uma situação aqui comentada pelo economista angolano Carlos Rosado para quem o seu país acaba por não conseguir tirar todos os benefícios do actual aumento do preço do barril devido à impossibilidade de produzir mais.

RFI : Actualmente, qual é a produção diária de Angola e será que chegou ao seu tecto?

Carlos Rosado : Só para termos uma ideia, eu creio que no caso de Angola, a quota normal do país é à volta de 1, 58 milhão de barris por dia. Depois, com os cortes, normalmente a produção seria de um pouco mais de 1, 4 milhão de barris porque houve o corte e (o nível de produção) está a ser reposto a um ritmo que ainda não atingiu o pico. Angola está a produzir menos de 1,2 milhão de barris por dia. Angola é dos países que não consegue produzir aquilo que lhe é permitido pelo grupo OPEP+. Já tivemos 1,8 milhão de barris por dia. Nessa altura o nosso problema era que a nossa quota não chegava, nós estávamos a produzir acima da quota, tivemos até problemas com a OPEP. Mas a desculpa era que Angola era um país que tinha saído da guerra e que precisava de produzir petróleo. Portanto, não conseguimos tirar proveito do aumento do preço do petróleo porque a nossa produção está em baixa e, portanto, estamos a produzir menos de 1,2 milhão barris por dia.

RFI : Porque é que Angola está a produzir menos neste momento?

Carlos Rosado : Angola está a produzir menos por uma questão estrutural. Durante muitos anos, houve falta de investimento no sector petrolífero, falta de investimento das companhias e também, durante muitos anos, não houve licitações de novos poços de petróleo. Portanto, é essa razão pela qual a produção de Angola foi diminuindo : porque o petróleo é finito, os poços são finitos, foi-se produzindo e não houve uma reposição e é essa basicamente a razão pela qual nós estamos a produzir menos de 1,2 milhão de barris por dia e dificilmente conseguiremos atingir os níveis anteriores.

RFI : Quais podem ser as consequências desta situação de por um lado Angola não conseguir produzir mais petróleo do que actualmente produz e, por outro lado, haver esse aumento do preço do barril?

Carlos Rosado : Nós vamos naturalmente beneficiar do aumento do preço do petróleo. O que acontece é que nós não vamos beneficiar tanto quanto podíamos devido justamente a essas restricções de produção, mas é óbvio que Angola vai beneficiar. O petróleo representa mais de 50% das receitas do Estado e, agora com o aumento do preço do petróleo, essa percentagem vai aumentar. O petróleo representa 96% das nossas exportações, representa um terço do PIB e, portanto, um país nestas condições, é óbvio que se o petróleo está bem, Angola fica bem. Todas estas boas notícias que têm saído ultimamente relativamente a Angola, saída da recessão em 2021 etc… tudo isto está relacionado com a subida do preço do petróleo e naturalmente isto pode ajudar a financiar a diversificação da economia. Agora, o meu receio é que aconteça o que aconteceu no passado e que, em resultado do aumento do preço do petróleo e do aumento das receitas públicas, nós continuemos a gastar o dinheiro mal gasto, nós abrandemos as reformas que são importantes para a diversificação da economia e, portanto, existe esse que é o eterno problema dos países muito dependentes de uma matéria-prima. Quando essa matéria-prima sobe, isto pode fazer com que Angola volte a dormir à sombra da bananeira. Esse é o principal risco. É uma bênção sem dúvida a subida do preço do petróleo, apesar de não podermos tirar todo o proveito porque temos limitações de produção, mas o reverso da medalha é que -sobretudo em ano de eleições- o dinheiro possa ser mal gasto, não totalmente aproveitado e que haja um abrandamento nas reformas. Aliás, o Fundo Monetário Internacional acabou o programa, o FMI está de saída, que era quem pressionava mais no sentido das reformas, mas enfim, vamos esperar para ver.

RFI : Voltando ao âmbito das consequências a nível mundial, pensa que o petróleo vai continuar a subir nos próximos tempos e quais podem ser as consequências disto?

Carlos Rosado : Há questões geopolíticas importantes, nomeadamente a tensão entre a Ucrânia e a Rússia e ninguém sabe qual vai ser o desfecho disso. Agora, o que sabemos é que se essas tensões aumentarem e que se chegarmos a uma invasão, é óbvio que o preço do petróleo pode subir ainda mais. Em razões dos fundamentais do mercado, também temos a questão da reposição da produção do grupo OPEP+, o que está previsto é que esse aumento de 400 mil barris seja até Abril. Agora, num cenário em que, com o fim da pandemia, a economia cresça mais, isto naturalmente pode levar ao aumento da procura do petróleo e, portanto, com uma oferta limitada e uma subida da procura, também por aí, os preços podem subir. Se isto acontecer, o cenário é um aumento da inflação. A inflação já está muito alta quer na Europa, quer nos Estados Unidos. Uma das razões tem a ver com a crise energética e, portanto, se a inflação subir, é provável que haja um aumento das taxas de juro no sentido de controlar a inflação. Vamos ver qual é a resposta dos bancos centrais se a inflação teimar em ficar em níveis elevados. Tudo isto é muito contingente, ninguém sabe o que vai acontecer. Nós sabemos quais são os riscos. Porque se, pelo contrário, se aliviar a tensão entre a Rússia e a Ucrânia, sem dúvida nenhuma, já não haverá uma pressão tão grande para os preços aumentarem. Mas eu acredito que pelos fundamentais do mercado os preços deverão continuar altos. A capacidade de produção da OPEP+ não se consegue com um estalar dos dedos. São factores estruturais nomeadamente em África, na Nigéria e em Angola. Nós, mesmo que queiramos, não podemos produzir 1,4 milhão de barris como podemos de acordo com as quotas da OPEP. Portanto, do ponto de vista do mercado, eu acho que há aqui condições para os preços continuarem elevados.(x) Fonte:RFI

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