Entre 2013 e 2021, muitos menores nas províncias de Sofala, Manica, Tete e Zambézia perderam os pais em tiroteios e raptos. Alguns ficaram ao cuidado de familiares, outros passaram a ser responsáveis pelo seu sustento.
No centro de Moçambique, centenas de crianças ficaram órfãs devido ao conflito armado entre os homens armados da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o maior partido da oposição, e as forças do Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
As autoridades não avançam números concretos, mas estimam que perto de 400 crianças órfãs tenham recebido assistência num período de cinco anos em quatro centros de acomodação nas províncias do centro, no momento em que muitos deslocados abandonavam as suas zonas de origem, no âmbito do conflito armado.
Só na vila de Gorongosa, na província de Sofala, cerca de 100 famílias passaram a ser lideradas por menores que perderam os encarregados de educação no conflito, segundo as autoridades municipais.
Elísio toma conta de cinco irmãos
Elísio Zacarias ficou a tomar conta dos seus cinco irmãos em 2015, quando os pais foram sequestrados. Hoje tem 20 anos e ainda reside no bairro de Nhantaca 2, onde funcionou até meados de 2018 um centro de acomodação de deslocados de guerra oriundos de Vunduzi e Canda.
O pai, secretário da FRELIMO, foi sequestrado por homens armados alegadamente da guerrilha da RENAMO e nunca mais voltou. "Nós vivíamos lá em Satundjira, perto de Vunduzi. Como o nosso pai era da FRELIMO, e naquela altura os da RENAMO procuravam membros da FRELIMO, então chegaram em casa à noite e levaram-no", recorda Elísio.
Dias depois voltaram e obrigaram a mãe a levar as panelas, galinhas e cabritos para ir cozinhar para o marido. Elísio nunca mais a viu. Até hoje, tem dificuldades para sustentar os irmãos, sem apoio das autoridades.
Ajuda das autoridades não é suficiente
"Aqui não estamos a viver bem, estamos a sofrer porque não temos comida nem roupa para vestir. Vivemos com base na venda de bambus, lenha e cadeiras de bambu que tiramos no mato", conta o jovem.
O vereador para a área de ação social no município de Gorongosa, Paulo Mufundisse, não especifica o número de crianças necessitadas que estão ao cuidado da edilidade. Mas garante que as autoridades estão a trabalhar para assegurar o seu sustento.
"Contactámos alguns enfermeiros e técnicos, algumas mães, ao nível dos bairros e vão dar capacitação a essas mães de como preparar papas nutritivas para essas crianças e o município tem apoiado na compra de alguns produtos como óleo, feijão, farinha e ovos", afirma Paulo Mufundisse.
"Vivo numa pobreza extrema"
Tal como as aldeias de Satundjira e Canda, em Gorongosa, também Muxúngue, no distrito de Chibabava, foi palco de confrontos militares entre as forças governamentais e a guerrilha da RENAMO. O serviço distrital da ação social registou e apoia perto de 180 menores que perderam os pais em tempo de guerra.
Mas o apoio tem sido pontual e não chega para cobrir as necessidades de muitos desfavorecidos, diz Adélia Samatenge, avó de uma criança órfã em Gorongosa. "Vamos bombear água na bomba manual para vender, vivo numa pobreza extrema nem livros nem cadernos a criança tem", lamenta.
Adélia Samatenge perdeu o marido e o filho num dia de intensos combates. Os dois, conta, tinham sido raptados dias antes pelos guerrilheiros, que os obrigaram a carregar alimentos para a sua base. "Foram obrigados pela RENAMO a tirar a comida. Ele e o pai perderam-se lá, nunca mais saíram do ataque", recorda.
Desde então, Adélia tem a seu cargo um neto, agora com oito anos de idade. A mãe seria também sequestrada mais tarde, quando lavava roupa num riacho.
Acompanhamento psicológico é urgente
Casos como este devem ser acompanhados por especialistas para salvaguardar um crescimento saudável, diz o psicólogo Benedito Lopes. "É urgente mesmo que as crianças tenham um acompanhamento psicológico, porque a mente pode suscitar vários tipos de transtornos e até podem chegar a depressão grave", alerta.
Sete anos depois do desaparecimento dos pais, Elísio Zacarias não ganhou coragem para regressar à sua aldeia, onde poderia sobreviver à base da agricultura. Uma situação que não surpreende Benedito Lopes.
"Praticamente eles desenvolveram a fobia neles mesmos, vendo os pais a serem degolados. Logicamente que estas mesmas crianças não vão ter vontade de lá voltar porque pensam que lhes vão fazer a mesmíssima coisa que aos pais. Logo, estamos a ver que as crianças estão num estado depressivo", conclui o psicólogo.
Contactada pela DW África, a diretora provincial de Género, Criança e Ação Social em Sofala, Graciana Pita, disse que "não existe nenhum plano específico do Governo para apoiar as crianças órfãs de país vítimas da tensão político militar", mas sublinhou que decorrem várias ações para apoiar órfãos no geral, incluindo de país vítimas de ciclones e inundações.(x) Fonte: DW