Analista alerta para dificuldades das famílias de baixo rendimento no acesso à saúde. Desvalorização do metical face ao dólar e alta dos combustíveis agravam fragilidades no setor, que depende de produtos importados.
Um relatório do Observatório Cidadão para Saúde revela que é cada vez mais caro importar medicamentos e material para os hospitais e centros de saúde em Moçambique.
Isto num país onde a procura de cuidados médicos já é elevada, mas onde se tem investido pouco no setor da saúde. Em média, nos últimos 10 anos, a fatia do Orçamento de Estado alocada para a saúde rondou os 8%, apesar de o Governo se ter comprometido a consagrar 15% ao setor.
Em entrevista à DW África, Titos Quive, investigador do Observatório Cidadão para Saúde, lamenta que o dinheiro investido atualmente pelo Governo moçambicano não responda às necessidades dos cidadãos e sugere a criação de impostos para "amortizar" a saúde.
DW África: Quais são as principaisrazões do agravamento da situação no setor da saúde?
Titos Quive (TQ): Há algumas razões, como a necessidade de redução do défice que existe no setor da saúde. É um setor que tem ficado muito aquém do orçamento necessário para fazer face àquilo que são as necessidades mínimas. Também nunca conseguimos atingir as metas estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como uma despesa mínima de 60 dólares 'per capita'. E isso reflete-se numa baixa capacidade de resposta.
DW África: Em dezembro de 2021, a FRELIMO referiu que "o Orçamento do Estado de 2022 favorece o desenvolvimento do país e continua a responder aos anseios e preocupações dos moçambicanos". Como é que responde às necessidades dos cidadãos se os custos no setor da saúde aumentam e grande parte da população vive com menos de um dólar por dia?
TQ: Nós temos alguns aspetos sociais que não estão muito bem estabelecidos em termos de como as taxas [de usuário] são administradas, porque essas taxas acabam traduzindo-se em despesas catastróficas. Este "abaixo de um dólar" a que se refere é um sinal da fraca capacidade de resposta da maior parte das famílias. Se nós impomos custos ao setor da saúde, estamos a excluir as famílias de baixo rendimento. Logo, não estão a exercer o direito à Saúde. Significa que este direito passa a ser discriminatório.
Para além das taxas a que fazemos referência, existem outros custos que são importados, incluindo os custos com medicamentos. As nossas farmácias públicas têm fraca capacidade de resposta, o que obriga as famílias a terem que enfrentar os preços das farmácias privadas. E esses custos, nós não conhecemos e não conseguimos estimar em Moçambique.
DW África: O dinheiro investido pelo Governo moçambicano nas despesas de saúde é muito inferior ao recomendado pela OMS em 2020, cerca de 87 dólares por habitante. Se não tem havido investimento na saúde, uma necessidade básica, em que áreas está a ser aplicado o dinheiro do Estado?
TQ: Onde é investido este dinheiro? Para o Plano Económico e Social e Orçamento de Estado para 2022, nas despesas de funcionamento, temos 57% alocados para salários. Muitas das vezes, tendem a manter a mesma capacidade de investimento. Agora, temos também um conflito militar no Norte, que está a custar muito dinheiro a Moçambique. Temos uma estimativa feita por uma organização da sociedade civil, o CIP (Centro de Integridade Pública), que fala em 1,1 mil milhões de dólares alocados. É um custo que acaba afetando o setor da saúde.
DW África: Que tipo de soluções podem ser criadas para ajudar a população a ter acesso à satisfação das necessidades básicas, como a saúde ou a proteção social, a água e o saneamento?
TQ: Moçambique tem que virar o foco nos seus espaços fiscais. As taxas de usuário, que são o custo que as famílias enfrentam, são um espaço fiscal nocivo porque acabam bloqueando o consumo de saúde. Mas há outros espaços fiscais.
Moçambique deve começar a impor pacotes de seguros de automóveis que obriguem e deixem claro que as seguradoras também têm responsabilidade com a saúde, caso haja acidentes.
Quanto ao consumo de drogas e de alguns alimentos nocivos à saúde, por exemplo, há alguns produtos que são importados e pagam impostos. Mas estes impostos precisam ter uma rubrica específica para a saúde, porque o facto de consumir algo nocivo à saúde significa que se está a candidatar a ter um custo direto com a saúde. Então, o setor de saúde tem de ser amortecido por alguma taxa associada a esse consumo.(x) Fonte: DW