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segunda-feira, 04 janeiro 2021 09:04

Álcool e cafeína são as drogas mais consumidas durante a pandemia, diz neurocientista Carl Hart

Para o professor, o maior consumo dessas substâncias não implicará em dependência pós-covid Para o professor, o maior consumo dessas substâncias não implicará em dependência pós-covid

Álcool e cafeína são as drogas mais consumidas durante a pandemia, afirma o neurocientista americano Carl Hart — lembrando que a cafeína não está presente apenas no café e na barra de chocolate, mas também em analgésicos e inibidores de apetite.

No entanto, para quem acha que, findo o isolamento, haverá um número maior de alcoólatras e viciados em pílulas para emagrecer, Hart dá um freio.

Para o professor do departamento de Psicologia e Psiquiatria da Universidade Columbia, em Nova York, o maior consumo dessas substâncias não implicará dependência pós-covid.

Mas ele não duvida que essas drogas venham a ser acusadas de degringolar ainda mais a sociedade para tirar o foco da inabilidade dos governos de lidar com os problemas socioeconômicos advindos da pandemia.

Seria assim, em qualquer tempo e crise, com a cocaína, o crack e os opioides — estes últimos apontados como um dos fatores da redução gradativa da expectativa de vida nos EUA. "Culpar os opioides por qualquer diminuição na expectativa de vida é ignorância", reage.

Hart vem na toada de "desmistificar que as drogas necessariamente fazem mal" pelo menos desde de 1995, quando recebeu um grupo de jovens negros em seu laboratório em Bethesda, no Estado americano de Maryland. Ali, viu-se numa armadilha.

Enquanto demonstrava na lousa a ação das drogas no cérebro, os alunos queriam saber por que os pais deles próprios consumiam as mesmas. Simples assim para os estudantes, mas complicado demais para um cientista como Hart, que até então se debruçara apenas sobre ratos de laboratório, nunca sobre humanos.

Não que fosse cru na experiência. A infância na periferia de Miami o fez presenciar gente próxima consumindo crack, cometendo crimes para garantir o consumo e se arruinando com morte precoce ou anos de prisão. Na sua cabeça, era certo que o caminho das drogas não tinha volta. Faltava confirmar isso.

Durante o pós-doutorado em Wyoming, no oeste dos EUA, agora lidando com gente, entendeu que essa dedução fatídica estava viciada.

A depender, por exemplo, da quantia de dinheiro que oferecia aos sujeitos de pesquisa, e isso fazia parte da metodologia da pesquisa, eles abriam mão das doses. Hart afirmou que esses consumidores de crack e de metanfetamina eram mais senhores de seu destino do que presumiam a academia e as severas políticas públicas de combate.

E passou a dizer em aulas e palestras: "Achei que seria capaz de curar a dependência em drogas, mas, ao longo dos anos, aprendi que o problema não era o vício, era a aplicação das leis".

Aos 54 anos, o americano assina dezenas de artigos científicos na área de neuropsicofarmacologia e co-escreveu o livro Drugs, Society, and Human Behavior com o professor emérito de neurociência Charles Ksir. Em maio de 2014, esteve no Brasil para lançar "Um Preço Muito Alto: a Jornada de um Neurocientista que Desafia Nossa Visão sobre Drogas e Sociedade (Zahar)", no qual explica seus estudos e narra sua trajetória até se tornar o primeiro professor afrodescendente da Colúmbia, famoso também pelo dreadlock, hoje levemente grisalho.

Hart voltou ao País em 2015, quando viralizou a notícia de que teria sofrido preconceito no hotel em que se hospedou, em São Paulo. Informação que ele desmentiu: "O que realmente importa são os negros discriminados dia após dia no Brasil, não um professor burguês, que se hospeda em hotel cinco estrelas".

Num sabático até julho, Hart antecipa, sem entrar em detalhes, que seu novo livro traz um capítulo inteiro sobre o Brasil e sua política antidrogas. Drug Use for Grown-Ups: Chasing Liberty in the Land of Fear (Uso de drogas para adultos: em busca da liberdade na terra do medo) será lançado em janeiro e ainda não há previsão da edição em português.(x) BBC

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