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sexta-feira, 16 agosto 2024 18:08

Cabo Delgado: O terrorismo e o seu impacto socio-econômico na província

Imagem ilustractiva das pessoas deslocadas. Imagem ilustractiva das pessoas deslocadas.

A província de Cabo Delgado, localiza-se no norte de Moçambique, enfrenta uma grave crise humanitária e econômica há mais de cinco anos, devido a ataques terroristas perpetrados por grupos extremistas.

Para entender melhor os impactos socioeconômicos causados pelos terroristas, a Zumbo FM Notícias, entrevistou vários analistas nesta segunda semana de agosto de 2024.

O analista, Zito Pedro, destaca a ampla deterioração social e econômica que Cabo Delgado enfrenta devido ao conflito. A degradação do tecido social e a disrupção das atividades econômicas evidenciam a gravidade dos impactos na vida cotidiana dos residentes e nas estruturas econômicas da província.

"É notório e consensual que o conflito trouxe vários impactos negativos, associados a diversas dimensões. A primeira dimensão é a social, com a degradação do tecido social observada nos últimos cinco anos. A economia local e informal também foi prejudicada, afetando tanto o emprego formal, com a perda de empregos ocupados por funcionários do governo, quanto o informal, com o comprometimento do empreendedorismo devido ao deslocamento forçado das pessoas. Isso contribui diretamente para o elevado desemprego em Cabo Delgado", explicou.

Zito Pedro, detalha os desafios multifacetados que emergem do conflito, enfatizando a complexidade da situação enfrentada pelos deslocados e pelas comunidades que os acolhem.

"Os desafios enfrentados são numerosos. A perda de documentação devido ao deslocamento forçado é um grande problema, pois esses documentos são essenciais para acessar outros serviços. Outro desafio significativo é o acesso ao crédito, já que muitas pessoas não têm condições de obter crédito bancário devido à falta de garantias. Isso impossibilita o avanço em negócios, pois não há bens para oferecer como garantia. Além disso, algumas pessoas foram deslocadas para áreas sem serviços básicos, como saúde e educação, o que cria novos problemas. Muitas crianças perderam anos letivos consecutivos devido ao deslocamento constante. As mulheres enfrentam desafios adicionais ao assumirem papéis de chefes de família em situações adversas, frequentemente recorrendo ao emprego informal para sustentar suas famílias. As comunidades que recebem deslocados também enfrentam desafios, como a necessidade de ceder terras para os deslocados, embora o governo tenha intervindo em alguns casos para facilitar esse processo. A agricultura, fundamental para muitas famílias, também foi afetada", relatou.

Zito Pedro, manifestou seu reconhecimento das violações dos direitos humanos durante o conflito, ressaltando a gravidade da crise humanitária e os desafios adicionais enfrentados pelos deslocados, além dos impactos diretos do conflito.

"É evidente que houve graves violações dos direitos humanos durante o conflito. Relatos indicam que a comida oferecida por algumas agências foi frequentemente comercializada e que algumas pessoas envolvidas na distribuição se envolveram em comportamentos abusivos, como coação sexual. Essas violações ocorreram em um contexto onde os deslocados, já em uma situação precária, enfrentaram tratamento inadequado e abusivo por parte de alguns responsáveis pela ajuda humanitária. O impacto dessas violações é significativo e afeta tanto a percepção interna quanto internacional do tratamento dos deslocados", afirmou Zito Pedro.

O analista, destaca a urgência de uma solução diplomática para resolver o conflito, argumentando que a abordagem militar tem se mostrado ineficaz e pode prolongar a crise.

"Para enfrentar a situação, é crucial que o conflito termine. Esse é um desafio fundamental para o governo, pois outras ações concretas só poderão ser avançadas após o fim do conflito. No momento, as atividades e ações estão em risco devido à persistência dos focos de insurgência. O governo deve se concentrar em encontrar uma solução diplomática para encerrar a guerra. O uso da força armada tem mostrado resultados limitados e pode prolongar o conflito. A via diplomática poderia ser mais eficaz, permitindo a reconciliação e a reconstrução mais rapidamente, enquanto a via armada pode levar mais tempo e ter consequências prolongadas", explicou Pedro.

Pedro observou que a ineficácia do contra-ataque armado e a necessidade de soluções diplomáticas sublinham as limitações das abordagens militares e o potencial benefício de uma resolução pacífica para a recuperação da região.

"O contra-ataque armado mostrou-se ineficaz nos últimos cinco anos. Apesar de uma redução na intensidade dos conflitos em comparação a 2019-2020, a situação persiste, indicando a necessidade de buscar soluções diplomáticas. A via armada pode prolongar a guerra, enquanto a diplomacia poderia acelerar a resolução do conflito, permitindo que o país e a província de Cabo Delgado se recuperem mais rapidamente", concluiu Zito Pedro.

Por outro lado, o analista Frederico João, complementa o entendimento dos impactos socioeconômicos do conflito, focando nas dificuldades enfrentadas pelos jovens e nas limitações impostas pela violência e instabilidade.

"É amplamente reconhecido que o conflito em Cabo Delgado tem causado impactos socioeconômicos significativos, especialmente em relação ao emprego para jovens. A violência e a instabilidade na região levaram ao deslocamento de pessoas, à destruição de infraestruturas e à interrupção das atividades econômicas. Muitas vezes, as pessoas precisam abandonar seus bens e atividades em busca de segurança, e quando chegam a locais seguros, é difícil reiniciar suas atividades devido à necessidade de garantir segurança e acesso ao básico, como alimentação. O governo, as agências da ONU e outros parceiros têm apoiado essas pessoas para enfrentar esses desafios", disse Frederico João.

Frederico João, também destaca a questão da insegurança nas instituições educacionais e de saúde, ilustrando como a violência prolongada afeta profundamente a infraestrutura social e as oportunidades para a população, comprometendo a educação e o acesso a serviços essenciais.

"A insegurança tem afetado o funcionamento das escolas, centros de formação e centros de saúde, limitando as oportunidades para a população, especialmente nas áreas afetadas. Isso também tem impactos sobre a qualidade da educação", informou Frederico João.

O entrevistado, ressalta a dependência econômica da agricultura e pesca na província, acrescentando que o conflito prejudicou essas atividades essenciais, afetando diretamente a subsistência dos jovens e de suas famílias.

"A economia da província é fortemente baseada na agricultura e na pesca, especialmente em distritos afetados pelo conflito. Embora Palma tenha se beneficiado com os hidrocarbonetos, a agricultura e a pesca são fontes de renda essenciais para muitos jovens e foram severamente impactadas, dificultando o acesso à terra para cultivo", contou.

Frederico João, oferece ainda uma visão detalhada sobre as variações na economia provincial, com áreas afetadas e outras que ainda mantêm atividades econômicas.

"A economia provincial apresenta variações: enquanto algumas áreas continuam com atividades econômicas, outras foram severamente afetadas. A produção de recursos mineiros, como rubi e grafite, e a agricultura nas zonas seguras, como ao sul de Cabo Delgado, continuam. No entanto, a produção e venda de produtos ainda são limitadas, tornando a economia oscilante e resistente", disse.

Ao concluir, Frederico João, afirmou que o crescimento da economia em Cabo Delgado também dependerá da reposição das infraestruturas.

"As implicações do conflito são profundas, limitando a movimentação e o crescimento econômico. A infraestrutura continua deficiente, com estradas em péssimas condições e falta de acesso a áreas turísticas e serviços sociais essenciais", concluiu Frederico João.

Entretanto, a Zumbo FM Notícias, ouviu ainda em exclusivo outro Analista, Aly Caetano, este, entende que o conflito em Cabo Delgado agravou as dificuldades de emprego para os jovens, destruindo infraestruturas comerciais e empresas, limitando as oportunidades de trabalho e financiamento para iniciativas próprias.

"No geral, a província de Cabo Delgado já tinha dificuldades em relação ao acesso ao emprego para os jovens. O conflito veio a piorar. Temos infraestruturas comerciais, por exemplo, destruídas, várias empresas que fecharam, e vários empreendimentos que também foram destruídos. Isto afeta diretamente a capacidade que o setor privado tem de absorver a mão-de-obra e também afeta diretamente a capacidade que os jovens têm de mobilizar recursos ou de receber financiamentos através das suas próprias iniciativas. Então, o conflito vai piorar a situação dos jovens no que diz respeito ao acesso ao emprego, tendo em conta que estes mesmos jovens começaram a entrar num processo de dependência em relação ao trem. Quando falo de dependência, refiro-me a agora; eles devem esperar doações do governo, entre outros, uma vez que antes praticavam agricultura e pesca, e hoje não. Estes são aspectos negativos que tenho agora para citar", disse.

Aly Caetano, observou que o mercado humanitário emergente na Provincia de Cabo Delgado, não consegue absorver todos os jovens necessitados e, apesar de integrar alguns, é visto negativamente por ter surgido após o conflito e por sua dimensão moral.

"Vem também chamar a atenção o fato de abrir-se um mercado humanitário. No entanto, esse mercado não é capaz de absorver um número suficiente de jovens que precisam desse tipo de oportunidades. Além disso, o mercado humanitário tem uma dimensão moral muito grande, pois percebe-se que esse mercado surgiu após o conflito. Apesar de o mercado humanitário estar integrando vários jovens, tem uma dimensão moral que, infelizmente, às vezes é considerada negativa por ter sido criado depois do conflito."

De acordo com o analista, o conflito em Cabo Delgado agravou a fragilidade da educação, com escolas destruídas e perda de documentos.

"A primeira questão certamente será a qualidade das pessoas que vamos formar. Falo da questão da educação. Temos jovens que pararam de estudar, escolas destruídas e jovens que perderam bilhetes de identidade, etc. Assim, o nível de educação na província, que já estava fragilizado, vai continuar a ser uma província com um baixo índice de escolaridade devido ao conflito. Mas o que mais me preocupa é o sentimento de dependência que as pessoas estão a desenvolver em relação às organizações humanitárias e organizações de desenvolvimento. Agora, grande parte das pessoas espera receber um donativo, um projeto ou uma iniciativa de financiamento, reduzindo muito a proatividade em buscar oportunidades. A dependência é uma das maiores implicações que teremos. Também precisamos observar que, após o conflito, começamos a ver frustração por parte dessas pessoas que dependiam de certos apoios e oportunidades, que estão cada vez mais reduzidas, e existe a possibilidade de haver mais frustração por parte dos jovens nas comunidades."

Aly Caetano, afirma que com a retoma das operações da Total Energs em Cabo Delgado pode melhorar a economia local e criar empregos e, alertou a população para encontrar vias alternativas como agricultura, pesca e turismo para evitar uma dependência excessiva.

"Parece-me que a Total continua a ser uma das maiores empresas na província de Cabo Delgado, com um dos maiores investimentos. Existem muitas expectativas de que, com a retoma das operações da Total, a situação econômica possa melhorar. Não será totalmente resolvida, mas melhorará no sentido de que novos empregos serão criados. Teremos uma cadeia de valor em torno da Total, com estradas a serem construídas e infraestruturas a serem desenvolvidas. Contudo, devo alertar que isso não deve ser o único mecanismo para garantir o desenvolvimento da província. Temos que procurar meios alternativos, como agricultura, pesca e turismo. Acima de tudo, a província tem esse potencial. Se continuarmos a depender apenas da Total, corremos o risco de termos uma economia extremamente dependente."

O entrevistado, defende que as infraestruturas são essenciais para o desenvolvimento da província.

"As infraestruturas são fundamentais para garantir o desenvolvimento da província. Precisamos honestamente assumir que o conflito diminuiu em intensidade, permitindo maior locomoção de pessoas e bens, e que há um sentimento de maior segurança em comparação com anos anteriores. A preocupação dos investidores e empreiteiros em construir e reconstruir, mesmo em contexto de conflito, foi grande. Contudo, penso que é necessário assumir que, se a situação de segurança estiver completamente estabilizada, a construção de infraestruturas pode avançar", sublinhou Aly Caetano.

O analista disse ainda que, para resolver o conflito em Moçambique, é necessário combinar a ação armada para proteger a população e as infraestruturas com esforços diplomáticos e acções de desenvolvimento econômico.

"Deve haver uma conjugação de fatores, pois a gestão armada terá que prevalecer no contexto onde existem ataques à população. Um estado soberano, no exercício do poder, não vai deixar a sua população ser massacrada e infraestruturas serem destruídas sem reagir de forma armada. Contudo, a força não deve ser o único mecanismo para a resolução do conflito. Temos que, em paralelo, desenvolver ações diplomáticas de negociação e garantir também ações de desenvolvimento para que os jovens não se alistem em grupos armados. Na verdade, é uma espécie de tríplice abordagem: por um lado, a ação armada para garantir a soberania do território; por outro, a construção de infraestruturas e a promoção de oportunidades econômicas; e, por fim, o diálogo para tentar resolver o conflito que existe em Moçambique."

Apesar do comércio informal ser atraente por sua baixa burocracia e rapidez, o analista desafia a população a optar pelo comércio formal no sentido de garantir o controle financeiro.

"Primeiro, é a facilidade com que o comércio pode ser desenvolvido. A pessoa pode comprar uma banca, abrir e comercializar com pouca burocracia. Em segundo lugar, é o nível de burocracia, que por vezes é exigido para a formalização dos negócios. Em terceiro lugar, é o imediatismo que o comércio proporciona. O comércio informal é mais atraente por não ter muita burocracia e por ser muito rápido, sem processos administrativos. Isso faz com que as pessoas vejam o comércio informal como a melhor forma de comercializar e garantir a sua sobrevivência. Para o estado de Cabo Delgado, seria ideal que todos optassem pela formalização, para contribuir para o controle das finanças. Mas, infelizmente, isso leva muito tempo; é um processo demorado até chegarmos lá", desafiou o analista.

Aly Caetano, apela aos jovens a não se juntar aos grupos dos insurgentes e, recomendou ao Governo a focar-se no empoderamento econômico dos jovens e promover iniciativas comunitárias.

"Apelo para que os jovens não se juntem aos grupos armados e sensibilizo a todos de que todos os desafios e problemas devem ser resolvidos de forma pacífica. Recomendo ao governo que continue a trabalhar na área de empoderamento econômico dos jovens, promovendo mais transferências e iniciativas dentro da comunidade, para alcançarmos os resultados que desejamos." Exortou, Aly Caetano. (x)

Por: António Bote

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