Armando Nenane queria apenas exercer a sua profissão com rigor, investigando, e agora deverá receber como "recompensa" uma queixa-crime do ex-ministro da Defesa. Tudo por causa de 50mt depositados numa polémica conta.
Tudo começou com "O negócio da guerra", um trabalho publicado pelo Canal de Moçambique, em meados de 2020, que revelava um acordo entre os Ministérios da Defesa e do Interior e duas multinacionais, alegadamente para garantir a segurança dos trabalhadores na região de Palma, na província nortenha de Cabo Delgado.
Na altura, o Canal de Moçambique divulgou ainda o número de uma conta que estaria associada a esse acordo. Isso valeu ao órgão algumas idas à Justiça.
Também em 2020, o jornalista Armando Nenane fez uma doação de 50 meticais (cerca de 70 cêntimos de euro) para essa conta, para investigar o caso e como "contribuição" para as Forças de Defesa e Segurança. Mas à DW, o jornalista refere que, como há gente que não aprecia caridade, deverá agora responder pelo seu gesto... Pedimos a Armando Nenane que nos contasse a história toda:
DW África: Qual foi o objetivo do depósito?
Armando Nenane (AN): Tinha dois objetivos quando efetuei o depósito: primeiro, ver o aspeto do talão de depósito e, segundo, contribuir para as Forças de Defesa e Segurança (FDS).
DW África: Mas algo levou a tomar essa decisão...
AN: Exatamente. A história por detrás disso é o processo que foi movido pelo Ministério da Defesa contra os jornalistas do Canal de Moçambique, Fernando Veloso e Matias Guente, por crime de violação de segredo de Estado. Onde teriam cometido o crime? Ao publicar o artigo "O negócio da guerra". Essa história baseia-se num contrato assinado pelo Ministério do Interior e pelo Ministério da Defesa com vista ao financiamento da Força-Tarefa Conjunta estacionada em Cabo Delgado. Uma vez que o Canal de Moçambique publicou [o número da] conta bancária, eu, para verificar se os jornalistas teriam cometido algum crime, fui efetuar o depósito naquela conta vulgarmente conhecida como 'segredo de Estado'. A conta foi criada para depositar o financiamento das petrolíferas Anadarko e ENI com vista ao financiamento da Força-Conjunta.
DW África: Numa conta privada?
AN: Numa conta que se diz decorrente deste contrato que se diz confidencial. O Ministério da Defesa acusou o Canal de Moçambique de violação do segredo de Estado porque se entende que aquele contrato confidencial é um contrato do Estado. [E] questiona-se se a conta é privada ou pública. É isso que o Canal de Moçambique queria revelar.
Quando eu faço o depósito nesse número de conta é quando aparece o nome do sr. Atanásio Salvador Mtumuke. Efetivamente, acho que nenhum ministro tem conta bancária, mesmo a Procuradoria usou o meu talão de depósito para ouvir o BCI e o antigo ministro Mtumuke. E, nessa audição, o BCI respondeu que foi falha técnica da funcionária bancária que acionou uma tecla que se chama "o próprio ao balcão", que significa que o dono da conta é que efetuou o depósito. Entretanto, quem fez o depósito não foi o dono da conta, fui eu. Aí obtive um talão de depósito que comprova que há um dono da conta, e a Procuradoria, com base nesse talão, arquivou o processo movido pelo Ministério da Defesa contra o Canal de Moçambique.
DW África: Agora, o general Mtumuke terá entrado com uma queixa-crime contra si por causa do depósito?
AN: Exatamente. E eu tomei conhecimento disso através de um publicação do jornal "Público" da última semana, que diz que o general acusa-me e ao BCI de falsificação de documentos e de crime de difamação.
DW África: Acha que está a ser perseguido?
AN: Sim, acho.
DW África: Porquê?
AN: A partir do momento em que o general apresenta uma participação de crime contra mim, acho que é uma perseguição judicial ao jornalismo, porque, ao efetuar ao depósito, não tive qualquer intenção criminosa, estava a fazer uma investigação. E a Procuradoria pode constatar através de uma auditoria forense que há oito milhões de meticais dados pela Anadarko para os militares em Cabo Delgado e esse dinheiro nunca chegou aos militares em Cabo Delgado. A Procuradoria constatou que nunca foi devolvido à Anadarko. Para onde foi o dinheiro?
DW África: Diz-se que o general terá ficado descontente consigo porque a informação de que o dinheiro era destinado aos militares, e o mesmo não tendo acontecido, levou com que os próprios se aglomerassem diante da sua casa para exigirem o dinheiro. Sabe disso?
AN: Sim, sim! Mesmo a própria participação do general que deu entrada na Procuradoria ainda diz que foi incendiada a casa dele em Cabo Delgado e que entretanto ele tem dificuldades de voltar a Cabo Delgado porque isto acabou por criar uma má interpretação lá.(x) Fonte: DW