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sábado, 17 julho 2021 14:48

Intervenção estrangeira em Cabo Delgado: "Um cocktail de desentendimento"

Grupos armados aterrorizam a província de Cabo Delgado desde 2017 Grupos armados aterrorizam a província de Cabo Delgado desde 2017

O analista moçambicano Manuel de Araújo olha com algum receio para a possível descoordenação das tropas ruandesas e da SADC - ainda por chegar - em Cabo Delgado e fala de "barril de pólvora".

Uma intervenção militar estrangeira descoordenada no norte de Moçambique pode transformar a situação de Cabo Delgado numa espécie da conferência de Berlim, em que cada país vai assumir um distrito, alertou, nesta sexta-feira (16.07), o especialista em relações internacionais, Manuel de Araújo em entrevista com a DW África.

Na semana passada, o Ruanda começou a enviar militares e polícias para o combate à insurgência na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, no âmbito de uma missão composta por mil homens. É aguardado também o destacamento de uma força militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) para o teatro de operações naquela província.

O analista e político moçambicano, Manuel de Araújo, disse que o processo de envio de militares e polícias para combater o terrorismo é uma autêntica "salada pronta para servir à mesa" e criticou a falta de informação e a descoordenação de ações entre os principais intervenientes militares na região. 

DW África: Quais são os riscos da presença simultânea das forças da SADC e do Ruanda em Cabo Delgado?

Manuel de Araújo (MA): Foi interessante ouvir o que a ministra sul-africana da Defesa [Nosiviwe Mapisa-Nqakula] disse, quando afirmou que, numa determinada reunião, o comité de peritos técnicos da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) havia decidido de que a sua força seria comandada pela África do Sul e teria o subcomando do Botsuana. E a parte efetiva, o estado-maior, teria um coronel sul-africano. Ora, isto contrasta com a posição de Moçambique, em particular a do Presidente da República, Filipe Nyusi, que afirmou que as tropas que vierem a Moçambique terão o comando das Forças Armadas de Defesa de Moçambique. Este é um ponto chave. É importante que se esclareça este ponto. Aliás, a própria ministra [de Defesa da África do Sul], disse que o documento final que iria possibilitar a vinda das tropas ainda não havia sido assinado por Moçambique. Isso também mostra que deve haver alguns pontos a alinhavar. E não estou surpreso que estas forças não chegassem no dia combinado. Com a afirmação da ministra da Defesa sul-africana de que Moçambique não havia sido informado de que as forças do Ruanda chegariam antes das forças da SADC, penso que há aqui um cocktail para um desentendimento.

DW África: Quais são os riscos de uma falta de coordenação das forças estrangeiras para Cabo Delgado?

MA: Se, ao nível mais alto, não forem feitas diligências, poderemos começar a vislumbrar uma espécie de conflito de protagonismo. O Ruanda vai querer mostrar serviço à SADC. Haverá uma competição no terreno, e isso poderá não trazer os resultados esperados. O que se espera é uma força que tenha um comando comum, conjunto, uma força disciplinada e que trabalhe em perfeita comunhão, com a troca de informação tática operacional estratégica, bem como, em caso de necessidade, possa contar com o apoio, quer em termos de informação, meios ou de homens, da outra parte. Caso contrário vejo um barril de pólvora, onde teremos Cabo Delgado dividido em parcelas, naquilo que eu chamaria uma autêntica Conferência de Berlim para Cabo Delgado, onde cada distrito estaria sob comando de uma força ou de um país. O que não seria útil, Aliás, o próprio chefe de Estado [Filipe Nyusi] tinha dito que não queria salada em Moçambique. Mas hoje, ele próprio reconhece que a salada está feita e só falta ser servida à mesa.

DW África: O Governo não informou o país sobre as contrapartidas no caso dos soldados Ruandeses. Há o risco dos moçambicanos virem a receber uma fatura surpresa cara, à semelhança do caso das dívidas ocultas? 

MA: Quanto a fatura, alguém vai ter que pagar. O nosso Presidente [Filipe Nyusi], no encontro anual com os diplomatas, deixou muitos recados, e um deles era sobre as farturas. Há um artigo que circula nas redes sociais que alega a fatura do Ruanda em Moçambique será, em princípio, paga pela França. A França poderá adiantar o pagamento a curto prazo. Mas, a médio e longo prazo, a fatura, com juros, poderá, suponho eu, ser passada a Moçambique. No fim, quem vai pagar a fatura no caso de Ruanda é o Moçambique. Daí que alguns observadores olhem com alguma perplexidade o facto de, no caso da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, ter sido anunciado que seria usado o fundo oficial da SADC. Ora, se a SADC já tem um financiador, porque é que Moçambique vai optar por mais uma fatura que irá encarecer o nível de vida dos moçambicanos e irá, se calhar, aumentar o nível de endividamento do Governo.

Há que salientar que não sabemos de onde saiu o dinheiro para os mercenários da Dyck Advisory Group, bem como da Wagner. Portanto, não houve, ou não há, pelo menos, informações. Mas pode-se subentender que o dinheiro saiu do Orçamento do Estado. Se for o caso, existe a necessidade do respeito pelas regras orçamentais, bem como pela transparência, uma vez que ainda não foi declarado o estado de guerra. (x) Fonte: DW

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